Timidez pode prejudicar, entre outras coisas, o rendimento escolar

Além de ficar em dúvida por não perguntar, aluno costuma sofrer emocionalmente. Falta de interação dificultaria processo de aprendizagem.

A paisagem típica nordestina avisa que já estamos chegando. Lá está a pequena cidade de Mairi, no interior da Bahia. O clima é de festa. O ritmo cadenciado do desfile escolar contagia todo mundo.

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E advinha quem abre alas? A timidez. Isto mesmo: é a Edmara Pires de Carvalho levando o estandarte. Pra estar aqui, ela teve que fazer um certo esforço, deixar a inibição um pouquinho de lado. E acha que valeu a pena.

“Eu comecei a me soltar mais, a sair, a fazer novas amizades”, contou Edmara Pires de Carvalho, de 18 anos.

Lição que ela aprendeu na escola. Não está nos livros, mas nas atividades do dia a dia. O colégio público onde estuda incentiva a participação dos tímidos.

Hoje é um dia especial. Os alunos do ensino médio tiveram que preparar uma homenagem pelo centenário de nascimento do escritor baiano Jorge Amado.

À medida que os colegas se apresentavam, Fernanda ia ficando nervosa. Ela teve que falar sobre uma personagem. E ela conseguiu. Mas no grupo ao lado, Paula era a mais tímida. Quando a colega terminou de falar. Paula ficou calada. Na vez dela, não disse o texto. Foi salva pelo gongo, hora do recreio.

Mas não teve problema. Ela tentou, já foi um grande passo. E ficou tranquila por não ter sido criticada, como já aconteceu.

“Qual é o seu sonho em relação à timidez?”, perguntou o repórter Ismar Madeira.

“Em relação à timidez? Assim, conseguir chegar a minha meta, não ser mais tímida. Conseguir domar a minha timidez”, disse Paula Araújo dos Santos.

Paula é abraçada, incentivada pelos professores. Esse trabalho com os tímidos começou há exatamente seis anos, quando as professoras passaram a dar mais atenção às diferenças de temperamento dos alunos.

“O tímido ele deixa de interagir em sala de aula, quando ele não interage isso dificulta o processo de aprendizagem”, afirmou Silvana da Silva Cerqueira, vice-diretora.

Na sala de aula, dá pra ver bem essa diferença. Afinal, quem é que não nota os alunos mais agitados, barulhentos até. E que são participativos, naturalmente chamam a atenção? Mas existe uma outra parte da turma que é mais calada. Neste grupo estão os tímidos. Muitas vezes, praticamente invisíveis. Mas basta um olhar mais atento pra perceber que eles estão ali.

Lucas e Tarcísio gostam de passar despercebidos no meio da turma. Não se consideram tímidos, mas calados. Quando a sala está cheia preferem não abrir a boca.

“Quando tem vontade de perguntar. Realmente a gente espera ver se a resposta sai”, contou Tarcísio Nunes, 16 anos.

É por isso, entre outras coisas, que a timidez pode prejudicar o rendimento escolar. Além de ficar em dúvida por não perguntar, o aluno costuma sofrer emocionalmente. Em Mato Grosso, Janaína viveu esta experiência quando criança e adolescente e não teve ajuda na escola.

“Você poderia ter sido mais feliz na escola?”, perguntou o repórter.

“Ah, eu acho que sim porque eu teria mais amigos, teria mais amizade. Eu queria, eu tinha muita vontade sim, mas eu tinha muita vergonha na escola, eu tinha muita vergonha”, respondeu Janaína.

Na faculdade de pedagogia, resolveu fazer o trabalho de conclusão de curso sobre a timidez dos alunos no ensino fundamental. Percebeu que o problema não são as notas. A maioria fica dentro da média. Mas um outro aprendizado importante pode ficar comprometido: o da socialização.

“Você não está sozinho, você vive numa sociedade e a escola, ela faz parte da sociedade, ela também é um espaço social. E você tem que trabalhar, além de todas as outras demandas, também essa socialização, buscar alternativas, metodologias”, afirmou Fátima Aparecida da Silva Ioka, professora universitária.

O trabalho de conclusão de curso de Janaína aponta que é preciso enxergar os tímidos.

“É difícil sim pro professor porque são muitas crianças numa sala de aula, mas há metodologias diferenciadas que podem auxiliar essas crianças, como por exemplo, uma brincadeira, uma dinâmica, conversar com a criança, sentar ao lado, perguntar ‘o que aconteceu?’, ‘você está bem?’. Chamar os pais pra conversar”, ressaltou Janaína.

Na escola de Mairi, na Bahia, os professores mudaram algumas regras pra favorecer a inclusão dos tímidos. Na formação das turmas, por exemplo, os vínculos afetivos são um fator importante. Os alunos que se identificam mais uns com os outros ficam na mesma sala.

“A gente teve caso assim de aluno até desesperar porque iria ficar numa turma onde não conhecia ninguém. Então o cuidado da gente é desde a chegada do aluno”, contou Silvana, vice-diretora.

Lucas e Tarcísio se conhecem desde os três anos de idade. Vieram pra esta escola neste ano e estão percebendo a diferença. Sentem-se mais encorajados para enfrentar os desafios nas atividades da turma.

“Às vezes o professor vem diretamente à gente e conversa, tenta a gente apresentar trabalho, conhecer, apresentações na frente de todo mundo na sala de aula”, revelou Lucas Araújo dos Santos, 17 anos.

“Aí a gente se entrosa bem mais com o pessoal do que ficar só eu e uma pessoa, por exemplo”, completou Tarcísio.

O Lucas é irmão da Anne Louise e da Paula, a aluna que ficou nervosa na apresentação sobre Jorge Amado. Em casa, a família apoia as iniciativas da escola. Os pais também foram tímidos.

“Me achava feia, me olhava no espelho e dizia ‘meu Deus, será que há alguma coisa diferente comigo? Por que isso? Por que essa timidez?’”, disse Vanusa Bellas, professora.

A baixa autoestima é uma das características da timidez. Seu Sílvio diz que também se achava feio.

“Eu ficava no fundo da sala de aula e usava um chapéu, porque eu me achava muito feio”, contou Sílvio Barbosa dos Santos, militar reformado.

“Ele era tão tímido que eu que paquerei ele”, lembrou Vanusa.

“O temperamento é a parte da personalidade da gente que tem mais ligação com as características biológicas, o que a gente herda de pai e mãe”, afirmou Diogo Lara, psiquiatra da PUC/RS.

“Então filhos de tímidos tem mais chance de serem tímidos também não só pelo convívio, mas também pelos genes que carregam?”, perguntou o repórter.

“Certamente isso já pode ser observado de criança e alguns estudos de adoção mostram isso, crianças filhos de pais tímidos que foram adotadas por famílias mais extrovertidas continuam carregando alguns traços dessa timidez”, respondeu Diogo.

Mas os especialistas acreditam que apesar da herança genética, a educação e o ambiente em que a pessoa vive podem reduzir ou aumentar a timidez. Para dona Vanusa, o pior foi na escola.

“Eu sofri preconceitos, as pessoas olhavam pra mim era apelidos, criticas”, contou Vanusa.

“A criança vai internalizando não só uma baixa autoestima, mas crenças muito negativas acerca dela mesma. Então, ela vai começando a se retrair”, afirmou Carolina Lisboa, psicóloga e pesquisadora de bullying.

A psicóloga Carolina Lisboa entrevistou crianças em escolas públicas de Porto Alegre e de três cidades próximas e avaliou a relação entre bullying e timidez.

“A criança tímida, ela pode estar mais suscetível para os agressores, de virar uma chacota e começar a sofrer o bullying. Assim como o bullying sistemático pode e gera um retraimento social, um déficit em habilidades sociais e uma timidez”, explicou Carolina Lisboa.

Mudanças bruscas devem ser observadas. Dona Vanusa e a Paula estão hoje fazendo terapia, com psicólogo. E, na escola, a jovem estudante vai chegando mais perto de atingir o sonho de domar a timidez. Lembra que ela não tinha conseguido dizer o texto numa apresentação sobre o escritor Jorge Amado? Pois a Paula quis tentar de novo.

Desta vez, falou tudo, do começo ao fim.

 

Fonte: Globo Repórter

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