Reincidência entre jovens infratores é de 29%; ‘falta estrutura’, aponta MP

Dados da Fundação da Criança e do Adolescente da Bahia são de 2014.

Mais de 85% dos jovens apreendidos em 2014 são negros ou pardos.

Dados relativos ao ano de 2014, disponibilizados à reportagem pela Fundação da Criança e do Adolescente da Bahia (Fundac), apontam o atendimento a 2.002 adolescentes infratores (com idades entre 16 e 17 anos) nas seis unidades de internamento e cinco de semiliberdade que operam em todo o estado. Do total, 585 foram apreendidos em infrações reincidentes, que correspondem a 29,2% do total. Um balanço parcial de 2015, que leva em conta os três primeiros meses do ano, indica a entrada de 550 jovens nas unidades socioeducativas. Destes, 151 voltaram aos espaços por terem cometido infrações reincidentes, 27,4% do total.

Procurados pela reportagem, o Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente (Caoca) do Ministério Público do Estado da Bahia e o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) apontaram a falta de estrutura das unidades como empecilho para o tratamento desse jovens.

O balanço apontado pela Fundac mostra que, dos 2.002 adolescentes que deram entrada nas unidades em 2014, mais de 82% (1.642) se declararam negros ou pardos e mais de 85% (1.704) cursavam o nível fundamental ou aceleração. O ato infracional mais cometido foi roubo (32,5%) seguido de tráfico de drogas (21,88%).

Dos 550 jovens apreendidos nos três primeiros meses deste ano, 462 (84%) afirmaram ser negros ou pardos e 485 (88%) estavam matriculados no ensino fundamental ou aceleração. Novamente, a infração mais recorrente foi roubo (33,2%) também seguido de tráfico de drogas (19,44%).

Procurado pelo G1, o Ministério da Justiça (MJ) disponibilizou os últimos dados publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que são referentes ao ano de 2012 e que foram divulgados em 2014. Em todo o Brasil, foram registrados 20.532 atendimentos a adolescentes, entre internações definitivas, internações provisórias e medidas de semiliberdade. Os dados são da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e foram obtidos por meio do Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei.

Dentre os 26 estados e o Distrito Federal, São Paulo lidera disparado o número de apreensões: 8.497. Em seguida, aparecem Pernambuco (1.400) e Minas Gerais (1.411). A Bahia desponta na 9ª colocação, com 469. Em todo o país, conforme o levantamento, as infrações mais recorrentes foram os roubos (8.416 ), tráfico (5.881) e homicídios (1.963). Na Bahia, os atos infracionais mais praticados por adolescentes foram roubo (132), homicídio (85) e tráfico de drogas (80).

Conforme o Ministério da Justiça (MJ), os números ofertados no levantamento apontam que as infrações cometidas por adolescentes correspondem a cerca de 1% dos crimes registrados no Brasil. Se forem considerados apenas os homicídios e tentativas de homicídio, o índice cai para 0,5%. Em todo o país, a população carcerária, composta por pessoas acima de 18 anos, ultrapassa os 600 mil.

Centros de internamento

Segundo a Fundac, a Bahia conta com seis Comunidades de Atendimento Socioeducativo (Cases), que são responsáveis por internamento de adolescentes infratores. Duas delas ficam em Salvador e duas em Feira de Santana – sendo que uma está fechada para reforma. As outras duas unidades ficam em Simões Filho e Camaçari, na região metropolitana.

Além das seis unidades de internamento, a Fundac diz que possui outros cinco espaços, que são destinados a adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em regime de semiliberdade. As unidades estão instaladas em Salvador, Feira de Santana, Camaçari, Vitória da Conquista, Juazeiro e Teixeira de Freitas.

Conforme previsto pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), os menores infratores são submetidos à proteção do estado, a partir de decisão especializada da Justiça. Em caso de infrações graves, a internação aplicada pode chegar a três anos, sendo estendida por mais três. Apesar da característica correcional, o Eca define que o período de reclusão não pode ser caracterizado como pena ou castigo, e sim, uma época para construção de projetos de vida e inclusão social.

O Eca define que os menores infratores só podem ser mantidos em unidades exclusivas para adolescentes, obedecendo critérios de idade, porte físico e gravidade da infração. Durante a internação, o jovem deve exercer atividades pedagógicas, com fins de escolarização e profissionalização. Também devem ser inseridas em suas rotinas atividades culturais, desportivas e de lazer.

Para a Procuradora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente (Caoca) do Ministério Público do Estado da Bahia, Márcia Guedes, nacional e estadualmente, o país conta com um número bastante limitado de centros de internamento.

“Não temos estrutura regionalizada. A própria estrutura existente não funciona de forma célere, acarretando em superlotação. Na Bahia, são 417 municípios. Até o mês passado, só oito deles possuíam o Plano Municipal de Atendimento Sociooeducativo. Outros seis estão em fase de implementação”, destaca. O prazo para conclusão do plano era novembro de 2014.

A procuradora detalha que os centros existentes na Bahia têm sérios problemas estruturais e pedagógicos. ” A Case [Comunidade de Atendimento Socioeducativo] de Salvador, por exemplo, tem estrutura similar a de um verdadeiro presídio. Tem um grau elevado de insalubridade. Apresenta também deficiência na parte pedagógica. Só vive superlotada. O procurador Evandro Luís já ajuizou ação para que seja demolido”, apontou.

O coordenador do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Waldemar Oliveira, concorda com os argumentos apresentados pela procuradora de Justiça. Inicialmente, ele reitera que não há Cases suficientes para atender o estado. “Você teria que regionalizar esse espaço. Deveria ser criado um em Barreiras, para atender a região oeste. Também indicamos Conquista, Itabuna e Juazeiro. Seriam necessários pelo menos mais quatro Cases espalhados no estado”, conta.

Sobre as Cases já existentes, ele reitera a inapropriação da Case Salvador, que fica no bairro de Tancredo Neves. “Aquilo é um exemplo de como uma unidade não pode funcionar. Há mais de 20 anos o Cedeca existe e há mais de 20 anos somos contrários àquele espaço. Ele não foi construído para acolher. Ele é mantido com superlotação e numa estrutura precária”, diz.

A direção da Fundac optou por não conversar sobre o assunto. Procurada pelo G1 na segunda-feira (6), a direção da Case Salvador, no bairro de Tancredo Neves, informou que precisaria de autorização da Fundac para falar sobre o assunto.

Maioridade Penal

Para a Procuradora Márcia Guedes, a redução da maioridade penal não é solução para reduzir o número de infrações entre crianças e adolescente. Primeiramente, ela destaca que a proposta, que foi rejeitada em votação na Câmara dos Deputados, é ilegal porque “não se pode mexer via emenda em nenhum dispositivo que garanta direitos fundamentais”, como o de ir e vir, por exemplo. Além disso, Márcia Guedes ressalta que as infrações cometidas por crianças e adolescentes são, em geral, de menor teor ofensivo e representa apenas 1% do total de cometidos no país.

“O que é necessário, na verdade, é que o estado brasileiro cumpra o que está no Estatuto [da Criança e do Adolescente]. O estatuto vai fazer 25 anos, mas as estruturas parecem que ainda estão nascendo”, critica. Para ela, se a sociedade entende que os jovens estão sendo cooptados para o crime porque as penas são mais brandas, então, nunca haverá idade mínima. “A sociedade precisa entender que é um grande equívoco”, completa.

O coordenador do Cedeca, Waldemar Oliveira, também é contrário ao projeto de redução da maioridade penal. “Estão querendo cobrir uma mazela do estado, que não cumpre o que está no Estatuto [da Criança e Adolescente]. O Cedeca tem posição totalmente contrária. O adolescente tem responder pelas infrações – não estamos negando isso-, mas não na penitenciária, que é um sistema falido e uma fábrica de marginais”, afirma.

 

 

Henrique Mendes/G1

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