Somos as histórias que construímos e uma das minhas foi antes da pandemia: a de um parente, morreu sem questionar o que tinha, mas recebeu visitas e teve o apoio da família.
Hoje o paciente sabe o diagnóstico, tem noção da gravidade da doença. Não podemos sentir seu medo ou sua dor, nem a sensação de estar na UTI. Várias vezes assisti o bater de palmas da equipe médica daqueles que chegaram à beira da morte. Estes pacientes graves ao serem internados entram no mundo onde nenhum familiar pode dar uma palavra, um olhar, está sozinho.
O corpo com uma manta branca, e o desespero de achar que vai morrer quando é entubado. Lembrei-me de um verso de um poema que um amigo fez há tempos: “Vou soltar minha tristeza no pasto da solidão”, mas aqui o pasto da solidão é cheio de minas.
Vivendo naqueles momentos em que a compressão de seu mundo tão sob controle até ali, se altera e algo até então visto como impossível passa a existir, mesmo sem ser compreendido. Pensando: Deus, que está no Céu, estou sozinho! Na mente a dor, a morte, o medo. A mídia mostra vitória sobre a doença.
Ele voltará aos rituais de levantar, escovar os dentes, lavar o rosto e começar de novo, sob a luz implacável do dia, todos os rituais de vida prescritos por nossa cultura,e isto temos que agradecer, e é algo a comemorar, mas se o não milagre for o resultado restará a morte e o adeus solitários.
*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe semanalmente no site www.osollo.com.br.