A noite me enche de palavras, aquelas que o dia, pouco a pouco, me faz perder. As palavras, nos sonhos, me surgem inteiras, em sua acepção gráfica. Quantas vezes a vigília noturna não me ditou soluções para impasses de escrita? Quantas vezes frases completas não vieram me socorrer, em meio ao torpor da madrugada? O primeiro livro de Freud que busquei, com curiosidade, foi “A interpretação dos sonhos”. Busquei-o como quem busca uma cartilha.
Para decifrar um sonho confuso, bastaria compulsar as páginas do livro e elas apresentariam a você, a chave do enigma. Simples assim, como no jogo do bicho. Naturalmente, não funcionou. Temo que meu percurso noite adentro vá suprimindo os ternos encontros familiares e se torne mais convulsionado, assombrado agora por estranhos metassonhos. Sonhos em que se revela a natureza do próprio sonho. Tenho medo. A novidade é que após os sessenta anos, já não sonho só com o que fui, mas trouxe para minhas noites a verdade do que sou.