Conheço parentes de pessoas que morreram por descarga de raios, na cidade de Vitória da Conquista, onde existem terrenos espaçosos para as vacas pastarem, mas quando a chuva começa os raios são o perigo, mas as mortes é por desconhecimento do risco de procurar abrigo sob uma árvore durante uma tempestade, talvez não soubessem o que eram aquelas luzes repentinas que, de vez em quando, iluminavam o céu e tampouco a associação ao trovão que ribombava no céu logo a seguir.
Os movimentos dos raios são mecânicos, uma luz intensa e um calor enorme de repente atravessam canais no céu, as forças liberadas são tremendas e enquanto pensamos que uma pessoa atingida por um raio foi extremamente azarada, e assim mantemos esse tipo de acontecimento no horizonte humano.
A ausência de consciência dos animais transforma a queda de um raio em um acontecimento aberto, que estabelece uma ligação entre tudo: a terra com a grama verde, a chuva que cai do céu cinzento, as vacas que se abrigam sobre árvores, o trovão que estrondeia no céu, a descarga elétrica descendo em direção à árvore sendo conduzida até subir novamente por aqueles corpos cujos enormes corações então parados. O estampido no momento da queda, o silêncio a seguir. A chuva que continua a cair sobre os animais mortos.
Certa vez estava na sala já com as luzes apagadas, do lado de fora o céu inteiro lampejou, e o trovão que veio em poucos segundos foi tão forte que parecia estar partindo o céu. Mais uns segundos e houve um estrondo gigantesco, como o de uma explosão. Foi como se o apartamento inteiro estremecesse. O raio devia ter caído muito próximo. Para mim poucas coisas são mais belas do que a visão de um raio, e o som do trovão faz com que a impressão de estar vivo torne-se ainda mais aguçada.
A água e o ar, a chuva e as nuvens também sempre estiveram aqui, mas encontram-se tão integrados à nossa vida que a antiguidade delas jamais se revela aos nossos pensamentos ou aos nossos sentimentos, ao contrário do que acontece com o raio e o trovão, que se revelam apenas de vez em quando, em sequências curtas que nós ao mesmo tempo, conhecemos e estranhamos, da mesma forma como, ao mesmo tempo, conhecemos e estranhamos a nós mesmos e ao mundo de que fazemos parte.