A 14ª edição da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty, que ocorrerá de 29 de junho a 03 de julho, homenageia em 2016 a poeta Ana Cristina César (1952-1983). Antes dela, apenas uma mulher havia sido homenageada no evento, a escritora Clarice Lispector, em 2005.
Ana Cristina Cesar, ou simplesmente Ana C., viveu pouco, apenas 31 anos, mas tem uma obra relativamente vasta, que a Companhia das Letras relança agora, sob o nome de Poética, incluindo os seus livros Cenas de abril, Correspondência completa, Luvas de pelica, A teus pés, Inéditos e dispersos, Antigos e soltos: livros fora de catálogo há décadas, além de poemas inéditos.
Ana C. começou a vida literária antes mesmo de aprender a escrever: aos 6 anos, ditou um poema para que uma professora da escola escrevesse. A partir de então, escrevia e desenhava a capa de seus próprios livros. No final da adolescência, fez um intercâmbio na Inglaterra, o que contribuiu para que se tornasse, também, tradutora de escritoras como Emily Dickinson e Sylvia Plath.
Ana C. foi expoente da Poesia Marginal da década de 1970, movimento que uniu artistas independentes em torno do que ficou conhecido como Geração Mimeografo, cuja produção cultural se dava por meios alternativos de circulação, devido à censura durante a ditadura militar. Os poetas marginais, cujos mais conhecidos são Paulo Leminski e Torquato Neto, não pertencem a nenhuma escola ou tradição literária. Seus poemas têm traços coloquiais e do cotidiano, gírias, erotismo e pequenos textos. A obra de Ana C. é permeada de textos autobiográficos e ficcionais, cartas e diários.
Durante a FLIP, será lançada Inconfissões, fotobiografia de Ana C. organizada pelo poeta Eucanaã Ferraz, com ordem cronológica invertida: o livro começa com as últimas fotos da poeta, voltando no tempo até a sua infância. “Ninguém morre no fim”, afirmou o organizador.
Ana Cristina Cesar se jogou do apartamento de seus pais em 1983, deixando uma horda de leitoras “viúvas”, como declarou a poeta Angélica Freitas em poema inédito.
Abaixo, um poema de Ana Cristina César:
“Cabeceira
Intratável.
Não quero mais pôr poemas no papel
nem dar a conhecer minha ternura.
Faço ar de dura,
muito sóbria e dura,
não pergunto
“da sombra daquele beijo
que farei?”
É inútil
ficar à escuta
ou manobrar a lupa
da adivinhação
Dito isto
o livro de cabeceira cai no chão.
Tua mão que desliza
distraidamente?
sobre a minha mão.”
Fonte – Jornal da FLIP – Luísa Gadelha
Foto: Arquivo familiar