Pudesse, indubitável e irrevogavelmente, trazer à tona todas aquelas sensações adolescentes, todo aquele rubor nas bochechas e os batimentos cardiacos acelerados. As sensações adolescentes são as mais inebriantes. aquelas que têm o poder de nos deixar impotentes.
Claro. Aquilo que chamamos de “memória” não é uma câmara de vídeo que “filma” a realidade ao nosso redor e a preserva de forma fiel, sem alterações. Ocorrem distorções durante o processo de gravação. E outras surgem com o passar do tempo, conforme nossa percepção muda.
A morte de meu pai fez com que eu sentisse a morte de minha infância e adolescência em Queimadas também. O Chalé estava ali, onde meu pai estava, ia sempre nas férias de junho e janeiro, sentia o que os românticos do século 19 devem ter sentido. A integração da alma ao reino da natureza.
O Chalé era grande e antigo, tinha muito da personalidade de meu avô. Cheio de plantas, o rádio transistor onde ele assistia a rádio Globo, na sua cadeira com almofada, retratos de meus bisavôs que construíram o Chalé em 1910, tinha uma capela no final do corredor de taboado como lampiões, pois a luz era com gerador e a noite era interrompida, o ambiente era acolhedor, sem luxo nem ostentação.
Existia um Cata-vento no Rio Itápicuro que puxava água para o Chalé, a noite tinha um estranho silêncio a não ser pelas cigarras e o vento chicoteando os galhos nas árvores. Acima das árvores, as estrelas brilhavam. O itápicuro na maioria das vezes estava baixo, onde as lavadeiras integravam a paisagem. Eu estava ali, diante do sertão sem entender o flagelo da seca. Mas dos 7 aos 15 meu pai tentou me explicar que Papai Noel não existia. Foi naquela época que entendi que a verdade não tem valor nenhum, que a imaginação é tudo. A tal verdade não passa de um cemitério, a totalidade de todas as coisas que morreram porque as pessoas pararam de sonhar com elas.
Por milhares e milhares de anos, milhões de apaixonados sonhavam com a lua, até Neil Armstrong ir até lá e provar que ela é apenas uma bola de poeira sem graça. um lugar árido e hostil. Acho que devia ter uns 16 anos quando meus pais falaram da seca. Acho que as coisas mais trágicas são aquelas que não podem ser explicadas. A realidade é uma questão de perspectiva.