O Programa Farinheira Sustentável, iniciativa interinstitucional da qual participam professores e alunos da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), foi premiado e certificado como tecnologia social no II Simpósio de Pesquisas e Experiências em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural, durante a IX Feira da Agricultura Familiar (Parque de Exposições de Salvador), no dia 30 de novembro.
A proposta é aproveitar ao máximo os resíduos e subprodutos da fabricação da farinha de mandioca, um ingrediente básico da alimentação regional, ao agregar técnicas de sustentabilidade à produção. A certificação como tecnologia social abre outras possibilidades para a iniciativa, como a participação em editais para captação de recursos para investimento.
Esse programa faz parte das ações do Plano de Ação Territorial (PAT) da Mandiocultura, em andamento desde dezembro de 2016. O PAT Mandiocultura surgiu no âmbito do Programa de Desenvolvimento Territorial (PRODETER) do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) que, de forma participativa, escolheu a cadeia produtiva da mandioca para promover o desenvolvimento. Por sua vez, o Programa Farinheira Sustentável nasceu do esforço do PDRT (Programa de Desenvolvimento Rural Territorial) da Fibria, sob responsabilidade da Polímata Soluções Agrícolas e Ambientais, na pessoa da engenheira agrônoma Jeilly Vivianne Ribeiro da S. B. de Carvalho (Coordenadora Técnica do PAT) e da Universidade Federal do Sul da Bahia, sob coordenação da professora Lívia Santos Lima Lemos (coordenadora de Pesquisa do PAT), que realizaram uma pesquisa para caracterizar as farinheiras, identificar as dificuldades e propor soluções.
O trabalho em conjunto visa aumentar a produtividade, apoiar o beneficiamento e a comercialização. “Este é um programa construído a várias mãos, com importantes colaborações de Paulo Sérgio Onofre da Vigilância Sanitária de Alcobaça, Ildeu Linhares Júnior da Controller, Paulo Henrique Radaik, professora Taína Soraia Muller (UFSB), entre outros colaboradores”, diz a professora Lívia. São parceiros no projeto junto à Polímata Soluções Agrícolas e Ambientais, através do PDRT da FIBRIA e a UFSB: ADAB, Bahiater, Banco do Nordeste do Brasil; CAR; CEPLAC; CONTROLLER; EMBRAPA; Escola Família Agrícola de Serra dos Aimorés/MG; Escola Núcleo de Pouso Alegre, IF Baiano, prefeituras municipais de Alcobaça, Caravelas e Teixeira de Freitas, PAT da Mandiocultura, Pitágoras, SEBRAE/BA.
Na Farinheira Sustentável, a infraestrutura é aperfeiçoada para qualificar a produção da farinha de mandioca e para aproveitar as partes geralmente descartadas da planta. “No campo das matérias primas é importante garantir não só a raiz, mas também utilizar a mandioca nas mais diversas formas de produção de alimento, diversificando a produção, aproveitando os resíduos e os subprodutos”, afirma a professora Lívia. A casca, o caule e as folhas são transformadas em silagem, e incentiva-se incluir nas áreas de plantio da mandioca material para suprimento de lenha. As áreas “suja” e “limpa” são separadas: enquanto na primeira se limpa a raiz, na segunda se produz a farinha. “Na área limpa precisa haver um isolamento do meio exterior, mantendo boa ventilação e utilizando tela em janelões para uma boa e correta circulação do ar”, ensina Lívia.
A água das chuvas é armazenada em cisternas de ferrocimento e tratada para uso na própria agroindústria. A farinheira sustentável conta ainda com um círculo agroflorestal para a filtragem dos resíduos líquidos (“água cinza”) e produção de alimentos e com uma bacia de evapotranspiração para tratar os resíduos sólidos, para concluir o ciclo da água e da matéria orgânica com a produção de frutas. “Nessa perspectiva, percebe-se que, ao introduzir técnicas de sustentabilidade nas farinheiras, cria-se um ambiente do qual se usa com racionalidade os recursos, desenvolve o hoje sem impactar o amanhã”, avalia a pesquisadora.
A professora Lívia explica que a adoção do conceito é promovida por meio de uma formação ao longo de dois dias no Centro de Referência em Mandiocultura, localizado na comunidade de Pouso Alegre, Alcobaça/BA, a 30 km de Teixeira de Freitas. “A formação mescla teoria e prática, proporcionando ao agricultor a oportunidade de colocar a mão na massa e aprender fazendo junto com professores e alunos da UFSB, palestrantes da Polímata, Controler e da Vigilância Sanitária de Alcobaça”, detalha a pesquisadora. Como resultado desse trabalho, já foram inauguradas no dia 09 de novembro as três primeiras farinheiras que adotaram essa nova perspectiva no território do extremo sul da Bahia.
Aproveitando a manipueira
O conceito Farinheira Sustentável trabalha com três pilares: ambiental, econômico e social. O pilar ambiental busca transformar a manipueira (subproduto líquido da transformação da raiz em farinha), que possui alto poder de contaminação, em um aliado da produção agropecuária utilizando seus multiaproveitamentos. No pilar econômico, busca dar aproveitamento econômico de forma integral (raiz e parte aérea). No pilar social, busca ajudar os agricultores familiares a agregarem mais renda à sua produção com base em novos produtos a partir de subprodutos atualmente desprezados.
Para a água de manipueira, resíduo liquido e ácido oriundo do processamento da mandioca, foi criado um sistema de multiaproveitamento sustentável com utilização de caixas d’água de polietileno dispostas de forma variável, conforme a sua utilização. O que a manipueira tem de poluente também tem de utilidade. A professora Lívia menciona projetos de Iniciação Científica que estudam usos para esse resíduo. Ela coordena dois estudos: um deles pesquisa como usar essa matéria-prima para fazer sabão, e outro analisa a eficiência da manipueira como biocarrapaticida. Um terceiro projeto investiga o uso da manipueira para fabricar inseticida e é coordenado pela professora Gisele Lopes de Oliveira. “Outras possibilidades de usos que serão avaliadas em seguida são a utilização da manipueira como adubo, herbicida, para controle de formigas, biogás e fabricação de tijolos e para alimentação animal”, detalha a professora Lívia.