A primeira coisa que a globalização da comunicação via internet colocou em crise foi a noção de limite. Existe em torno de nós uma bolha de respeito, uma área territorial dentro do qual se sente seguro. A queda dos limites provocou dois fenômenos opostos. Não há mais comunidade nacional que possa impedir aos próprios cidadãos de conhecer o que acontece em outros países, e agora tudo é revelado, o que compramos, que viagem fizemos, quais são nossas curiosidades e mesmo nossas preferências sexuais.
Até o infeliz pedófilo de outra época que, encerrado na própria aldeia, procurava manter em segredo sua insana paixão, hoje é encorajado a colocar em perigo, on-line, o próprio vergonhoso segredo.
O grande problema do cidadão que preza sua vida particular não é o de defender-se dos hackers, não mais frequentes e perigosos do que os bandidos da rua que podiam roubar um comerciante em viagem, mas de todas as tecnologias que permitem coletar informações sobre cada um de nós. Aquele que nos observa hoje não tem rosto e não é um, é o conjunto da economia global. Quando o poder não tem mais rosto, torna-se invencível. Ou, pelo menos, fica difícil controlá-lo.
Não deveríamos esperar por programas como o “Big Brother” , que justamente condena ao voyerrismo nacional personagens que, pela escolha que fizeram, já se colocaram na categoria dos que precisam, como se comprovou publicamente, da assistência de um psicólogo.
O incipiente hoje pode ser um escritor dominingueiro rejeitado por todos os editores, o qual compreendeu que, em vez de obstinar-se em escrever uma obra-prima, pode ter sucesso baixando as calças em público e dizendo palavrões no decorrer de um debate cultural.