Sei o que é primavera porque sinto um perfume de pólen no ar quanto ela chega, que talvez seja o meu próprio pólen, sinto estremecimento à toa quando um passarinho canta aqui na minha varanda, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida. Porque estou vivo. A primavera límpida, ela que me encontra cada ano pronto para recebê-la. Bem sei que é uma perturbação de sentidos. Mas, por que não ficar tonto? Aceito esta minha cabeça à chuva tremeluzente da primavera, aceito que eu existo, aceito que os outros existam. Sinto que viver é inevitável. Ser às vezes sangra. Mas não há como não sangrar, pois é no sangue que sinto a primavera. A primavera me dá coisas, conheci minha companheira há trinta e oito anos, no início da primavera e sinto que um dia de primavera é que vou morrer.
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