Casas, cabanas e barracas de praia pertencentes a indígenas na orla de Porto Seguro foram demolidas na manhã de terça-feira, 31 de agosto.
As demolições ocorreram em Ponta Grande, nas imediações da BR-367, entre Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália. Em nota, a prefeitura do município informou que a ação “originou-se de solicitação do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) à Polícia Federal”.
A Prefeitura esclareceu que sua participação se limitou à acompanhar a ação. “O Ministério Público Federal (MPF) solicitou a participação de prepostos da administração pública municipal, que atuaram em conjunto com: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, CIPPA (Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental) e CETO (Companhia de Emprego Tático Operacional), para readequação da Orla Norte, na região da Ponta Grande (Praia do Mutá)”.
No documento, a prefeitura de Porto Seguro afirmou que o objetivo da operação era regularizar as áreas que foram ocupadas de maneira irregular. “Durante a operação, foram constatadas diversas infrações ambientais continuadas em flagrante delito e edificações irregulares já implantadas ou em andamento, sem Autorização ou Licença Ambiental ou de Obras deste município”.
No entanto, o MPF, negou qualquer “relação ou participação” com a operação. A instituição afirmou que apenas conduz um procedimento, em fase inicial de instrução, para apurar infrações cometidas pelo avanço de construções irregulares em áreas tombadas da União, na Praia do Mutá. As infrações, segundo o MPF, foram denunciadas em nota técnica enviada pelo IPHAN, e apuradas pela sua unidade em Eunápolis. “Caso confirmados, os fatos constituiriam crime previsto no art. 63, da Lei nº 9,605/98”, informou em nota.
O documento ainda informa que uma nova operação foi agendada na manhã desta terça, a ser realizada pela Polícia Federal, com o apoio da Polícia Militar da Bahia, para identificar os responsáveis pelas construções, “que impactariam a composição paisagística tombada da Orla Norte do Município de Porto Seguro.” Contudo, o MPF afirma que essa operação consistiu somente no levantamento de informações para a investigação, não se relacionando com qualquer ação de demolição ou similar.
Protestos
As construções demolidas em Ponta Grande, litoral de Porto Seguro, estavam ligadas ao povo Pataxó, que protestou contra a operação fechando o trecho da BR-367, usando rochas, madeiras e chamas.
Segundo Thyara Pataxó, representante dos comerciantes no local, a rodovia permaneceu interditada, nos dois sentidos, até às 16h40 desta terça-feira (31). Ela ainda disse que cerca de 250 pessoas estavam no local.
Thyara também denunciou agressões e racismo por parte dos Policiais Militares que estavam presentes no local. “É uma ação de racismo com os povos indígenas. Porque existem ao lado barracas de não indígenas e elas não foram sequer tocadas pelos policiais. O alvo foi somente os povos indígenas. Chegaram aqui com truculência, agrediram um cacique e um jovem da nossa comunidade”, revelou.
Em resposta, a PM informou apenas que os policiais do 8° Batalhão de Polícia Militar (BPM) foram acionados para acompanhar o protesto e a mediação da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a desobstrução da pista pelos manifestantes.
A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS) também se posicionou contra os atos de demolição e se solidarizou ao “ataque” sofrido pelo povo Pataxó. O órgão caracterizou o ato como “arbitrário e ilegal”, realizado sem determinação judicial, ferindo os direitos dos povos tradicionais e a Constituição Federal.
“Uma violência sem tamanho, agressão e depreciação dos povos indígenas. Não é admissível que uma coisa dessa aconteça, não é normal que o Povo Pataxó sofra uma violação desse porte. As propriedades derrubadas representam anos e anos de luta, suor e trabalho”, declarou Carlos Martins, titular da SJDHDS.
O secretário esteve em reunião com Ricardo Mandarino, responsável pela Secretaria Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), ainda nesta terça, para solicitar uma apuração sobre as possíveis violações cometidas durante a ação.
Carlos Martins ainda ressaltou que as demolições ocorrem em meio a luta de povos indígenas de todo o país contra o marco temporal. “Indígenas estão acampados em Brasília resistindo contra o marco temporal, que dificulta ainda mais a questão da demarcação de terras indígenas. É uma verdadeira batalha por um direito garantido a eles por Lei”, concluiu. A SJDHDS informou que continuará acompanhando a apuração do caso.
Leia na íntegra a nota da Prefeitura de Porto Seguro
Com relação às diligências realizadas na Orla Norte, no dia 31 de agosto de 2021, a Prefeitura de Porto Seguro vem prestar os esclarecimentos que se seguem.
1) A referida ação originou-se de solicitação do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) à Polícia Federal. O Ministério Público Federal solicitou a participação de prepostos da administração pública municipal, que atuaram em conjunto com: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, CIPPA (Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental) e CETO (Companhia de Emprego Tático Operacional), para readequação da Orla Norte, na região da Ponta Grande (Praia do Mutá).
2) Durante a operação, foram constatadas diversas infrações ambientais continuadas em flagrante delito e edificações irregulares já implantadas ou em andamento, sem Autorização ou Licença Ambiental ou de Obras deste município. Estas construções, para fins exclusivamente comerciais, como barracas de praia, com indícios irrefutáveis de funcionamento, foram realizadas por pessoas que se identificaram como indígenas.
3) Anteriormente, haviam sido feitas diversas notificações e realizadas reuniões, com a participação de lideranças indígenas, FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e IPHAN, que reconheceram as irregularidades e se comprometeram a paralisar as obras, e adequar-se à legislação vigente, conforme TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) celebrado dia 19 de setembro de 2018, entre o município de Porto Seguro e Ministério Público Federal.
4) Em seu Item III, o referido TAC estabelece a demolição de toda e qualquer barraca de praia em desacordo com as normas vigentes; no Item VI, prevê sanção administrativa de multa ao município, no valor de R$ 100 mil por ocorrência, em descumprimento das cláusulas previstas, e R$10 mil de multa diária, por continuidade do delito.
5) O pacto não foi honrado por parte da FUNAI e de lideranças indígenas, tornando-se necessária a realização da diligência, diante do descumprimento do acordo e da categórica omissão e irresponsabilidade do referido órgão federal, responsável por monitorar e fiscalizar as terras indígenas, promovendo estudos de identificação, delimitação e demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.