Foi deflagrada na manhã desta quinta-feira (23) a Operação Lateronis, que visa combater crimes de desvio de recursos públicos destinados à área da educação no centro-sul baiano. O nome da operação é uma referência aos soldados da Roma antiga, que guardavam as laterais e as costas do imperador e que, de tanto estarem ao lado do poder, passaram a acreditar que eram o próprio poder e que podiam atuar de forma impune ao cometerem delitos contra os mais pobres.
Dentre os municípios investigados está Barra do Choça, Cândido Sales, Condeúba, Encruzilhada, Ribeirão do Largo, Gandu, Itambé, Jequié, Piripá, Vitória da Conquista, Tanhaçu, Ipirá, Salvador, Barreiras, Luís Eduardo Magalhães e Formosa do Rio Preto.
Ao longo das investigações, iniciadas em 2013, foi apurado que três falsas cooperativas que pertenciam a um mesmo grupo, vencedoras de licitações recorrentes, desviavam recursos públicos obtidos através de contratos celebrados com diversos municípios, na área de transporte, sobretudo escolar. Com os dados obtidos foi possível verificar que essas cooperativas serviam apenas de “fachada”, não havendo concorrência entre elas uma vez que as vencedoras eram definidas previamente.
Entre os anos de 2010 e 2016, a organização criminosa investigada obteve aproximadamente R$ 140 milhões em contratos, dos quais teriam sido desviados pelo menos R$ 45 milhões em razão das fraudes apuradas.
Parte dos valores recebidos pelas cooperativas era repassada a servidores públicos, no intuito de corromper agentes políticos e interferir em decisões dos poderes Executivo e Legislativo municipais, além de financiar ilicitamente campanhas eleitorais como forma de se manterem dominantes no poder.
Segundo o delegado superintendente da Polícia Federal (PF) na Bahia, Daniel Justo Madruga, é uma operação conjunta entre PF, Corregedoria Geral da União (CGU) e Ministério Público Federal (MPF). Participaram da coletiva o delegado Rodrigo Kolbe, chefe da delegacia de Vitória da Conquista, e o superintendente da CGU, Ronaldo Machado.
Madruga informa que “hoje estamos dando cumprimento a nove mandados de prisão preventiva, 4 de prisão temporária, 13 mandados de medidas cautelares diversas e 41 mandados de busca e apreensão, sendo seis destes em prefeituras da região, basicamente por desvios que ocorriam em contratos de transporte, especialmente, transporte escolar”. Segundo o superintendente da PF na Bahia, “o esquema funcionava com fraudes a licitação, havia algumas cooperativas que faziam parte desse grupo e havia um acerto prévio de qual delas iria ganhar”.
Semelhante ao esquema que levou ao afastamento dos prefeitos de Porto Seguro, Eunápolis e Cabrália, era uma espécie de ciranda das licitações, no entanto, empresários de cidades como Barra do Choça, compraram parentes para que estes assinassem documentos atestando serem eles pertencentes a cooperativas, as quais só existiam no papel. E, por meio das supostas cooperativas, eles faziam um revezamento para vencer as licitações dos transportes escolares em diversas cidades.
“Os recursos repassados a essas cooperativas eram utilizados para pagar terceiros que efetivamente faziam o transporte escolar, prestavam o serviço, e parte era desviada em benefício do esquema criminoso, inclusive, que alimentava toda essa ciranda criminosa, que alimentava campanhas políticas e fazia esse esquema se perpetuar no poder”, resume Madruga.
O delegado de Vitória da Conquista, Rodrigo Kolbe, conduziu a investigação. Segundo ele, tudo “começou após verificação de relatórios elaborados pela CGU acerca de problemas detectados em licitações das quais essas empresas participavam. Então, agendamos uma reunião e sentamos pra traçar as estratégias que seguiríamos e quais eram as empresas que estavam atuando no esquema”.
Conforme Kolbe, em seis prefeituras foi verificada essa perpetuação da cadeia das licitações e, por isso, a investigação se concentrou nessas empresas e, por isso, “tantas cidades e prefeituras envolvidas”. Ainda de acordo o delegado de Vitória de Conquista, após vencidas as licitações pelas supostas cooperativas, carros particulares e até mesmo combis antigas – tudo em condições precárias – prestavam o serviço, de forma terceirizada, no lugar da suposta cooperativa vencedora.
Poucos eram os ônibus usados nos transportes das crianças. Ele relatou que, em muitos municípios, a investigação demonstrou que os ônibus apropriados do governo ficavam na garagem e tinham seu funcionamento “adiado para que a prefeitura pudesse seguir com o esquema de corrupção”.
Além de serem transportados em situações adversas, os alunos, muitas vezes, tinham que se deslocar por km até o ponto de parada do transporte escolar. De acordo Kolbe, “esses contratos todos têm problemas de deslocamento, porque todos são precários. As linhas quando são licitadas são de 20 km, mas só 10 são percorridos. Esses estudantes não alcançados pelos 10 km percorridos, têm que se deslocar para um ponto de ônibus, o prejuízo é o esforço extra para conseguir o transporte escolar básico que lhe foi prometido e está sendo ofertado pela prefeitura”.
Kolbe esclarece que “elas não concorriam entre si e não só conversavam entre si de forma constante, como valores que eram depositados na empresa X eram transferidos pra o cooperado da empresa Y”.
O grupo chegava a decidir os candidatos que concorreriam aos cargos eletivos nos municípios de sua atuação, a formação das coligações locais, o secretariado a ser nomeado pelos prefeitos e até mesmo se as Câmaras Municipais deveriam ou não aprovar as contas do município. Uma espécie de atuação paralela que influenciava decisões públicas a favor de interesses ligados ao esquema criminoso.
“O grande jogo deles foi trabalhar com a influência política na região para garantir a licitação. Entravam na prefeitura, ofereciam apoio político e financeiro e em troca venciam as licitações. Quando o candidato deles por algum motivo não era eleito, automaticamente a gente percebia que não existia mais contrato naquela prefeitura com as cooperativas”, explica Kolbe, que afirma estarem envolvidos no esquema secretários, vereadores, ex-presidentes de Câmara, ex-prefeitos, empresários, assessor de deputado federal, servidores públicos como um todo, pregoeiros e os cooperados, que eram pessoas sem instrução nenhuma, tudo era forjado, a cooperativa não existe”.
Os envolvidos responderão pelos crimes de peculato, organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva e fraude à licitação.