Para que serve a Justiça Brasileira?

Por Pedro Ivo Rodrigues

Em razão do turbilhão de notícias difundidas pela internet diariamente, sempre estamos em contato com o mundo jurídico, que por sua vez parece extremamente distante do cidadão comum. De um modo geral, não compreendemos o que move esses senhores que vestem togas pretas e parecem se situar num olimpo, decidindo os rumos da sociedade, muitas vezes, a partir de pressupostos incompreensíveis para quem possui uma noção peremptória de ética. Pelos meios de comunicação, tomamos conhecimento de indivíduos envolvidos nos casos mais aberrantes, escabrosos, de desrespeito à lei serem beneficiados por alvarás, liminares, habeas corpus, etc. Para o leigo, para aquele que não lida em seu dia-a-dia com os alfarrábios e tratados do direito, tem-se a impressão de que a justiça brasileira é ineficiente, que a autoridade imbuída a tais homens e mulheres, diante de certos casos, não passa de um sofisma e que existem pessoas completamente intocáveis, inatingíveis pelo Código Penal. A própria legislação que rege o País aparenta ser uma ficção, posto que as penas seriam meramente simbólicas em se tratando de personagens apoderados no dinheiro ou em redes de tráfico de influência. A maior parte dos brasileiros, que trabalha e paga impostos, convive com a idéia de que vive numa república das bananas, onde cada um faz o que bem entender e fica por isso mesmo, desde que tenha acesso às “pessoas certas”.

Dois pesos e duas medidas

O médico Roger Abdelmassih, acusado de abusar sexualmente de dezenas de pacientes e condenado a 278 anos de reclusão, conseguiu uma liminar com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes para uma “saída temporária”, no que aproveitou a liberdade concedida pela mais alta corte de justiça para arrumar as malas e se mandar do Brasil, estando hoje supostamente no Líbano, dando muitas risadas das vítimas e de suas famílias. A mesma sorte não teve um homem acusado de furtar seis barras de chocolate num supermercado, condenado a um ano e meio de prisão e que teve o relaxamento da custódia negado pelo também ministro do STF Luiz Fux.

São essas distorções que tornam o Poder Judiciário desacreditado aos olhos dos simples mortais, que não dispõem de advogados caros e com lobby junto aos membros da magistratura. Infelizmente, os justos e retos juízes acabam sendo ofuscados por aqueles suspeitos de comerciar sentenças, tendo em vista que as más ações sempre reverberam mais do que as corretas e até porque a mídia não se interessa por informações que não possam chocar a opinião pública. Entretanto mesmo apesar dos membros de conduta inatacável de um dos poderes essenciais para o regime democrático, as próprias leis parecem ser inócuas para uma determinada camada da sociedade. Um festival de denúncias é feito constantemente contra políticos e empresários atolados na criminalidade organizada, mas subsumida numa camada de glamour social (vencedores no jogo do sistema capitalista) e nada, rigorosamente nada de adverso lhes sucede. No máximo, a exposição na mídia (que para certos egos é talvez até saborosa).

Descrédito nas instituições

As súmulas, as decisões parecem sempre caminhar para o afrouxamento nas penalidades, talvez na direção do tão celebrado Direito Penal Mínimo, a cachaça de alguns juristas que defendem a noção de que quanto menor a intervenção do Estado, melhor, como se não vivêssemos numa nação tropical profundamente dividida na escala da distribuição da riqueza e sim numa Suécia ou Luxemburgo. Esse pensamento no tocante a bagatela, aos crimes sem vítima ou de menor significado, é politicamente defensável, mas não se pode estendê-lo aqueles que pertencem a verdadeiras quadrilhas especializadas em lesar o erário e em outras modalidades delitivas que implicam grande movimentação de dinheiro ilícito e corrupção de agentes públicos.

São tantos os institutos, as brechas na lei que inviabilizam a sua própria aplicação, que o descrédito nas instituições que a administram conduz o cidadão escolarizado a anomia, ou seja, ao sentimento de não fazer parte dos acontecimentos coletivo-sociais de maior relevância a Pólis e mesmo ao esvaziamento de significado dos valores éticos e morais.

Se o direito penal não age na etiologia dos crimes e sim na sua sintomatologia, isso não pode ser uma justificativa para rasgar todos os códigos e conceder liberdade irrestrita a determinados indivíduos para fazerem o que lhes der na telha. É totalmente abjeta a idéia de que a sociedade deve pagar os gordos ordenados de juízes, desembargadores e ministros, que muitas vezes superam os R$20 mil, muito acima da realidade da maioria esmagadora dos brasileiros, para que esses não façam nada ou não tenham prerrogativas de fazê-lo quando o deveriam, de acordo com o senso comum do justo.

O povo brasileiro precisa de leis que realmente funcionem, ao invés de calhamaços inúteis e prolixos. A sociedade está cansada de tanta imoralidade sendo chancelada por aqueles que deveriam exprobrá-la.

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