Treze blocos de extração do óleo estão tão próximos do santuário que, se houver um acidente, será difícil evitar um desastre ambiental; reserva marinha, que abriga 9 mil baleias-jubarte, é considerado o local de maior biodiversidade do Atlântico sul
Sem lei para evitar que a indústria petrolífera se aproxime perigosamente da reserva de Abrolhos, no litoral da Bahia, o Brasil tem hoje 13 blocos de extração de óleo localizados tão próximos do santuário de 9 mil baleias-jubarte que, em caso de acidente, não há segurança ambiental mínima para evitar um desastre ecológico.
Com base em acidentes já registrados e políticas adotadas em outros países, os pesquisadores dizem que a exploração de petróleo não deveria acontecer em um polígono de 92 mil quilômetros quadrados – área equivalente à de Portugal – ao redor do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, o local de maior biodiversidade do Atlântico Sul. Essa é a área que, pelas características das correntes e a riqueza da flora e fauna da região oceânica, funcionaria como uma rede de proteção contra eventuais acidentes.
Para se ter ideia de quanto vale a segurança ambiental dessa distância, o derramamento de óleo no Golfo do México, no ano passado, afetou 229 mil quilômetros quadrados, uma área duas vezes e meia maior que o polígono sugerido para Abrolhos.
Os 13 blocos de exploração de petróleo que se localizam no interior do polígono de 92 mil quilômetros quadrados, a área considerada de segurança, são operados pelas empresas Petrobrás, Vipetro, Perenco Petróleo e Gás do Brasil Ltda., Cowan Petróleo e Gás S.A. e Sonangol Starfish Oil & Gas S.A. Esse polígono foi sugerido ao governo em estudo conduzido pela ONG Conservação Internacional em 2005.
Para estabelecer essa área, os técnicos da ONG utilizaram o método de dispersão da gota de óleo, também usado pelo governo da Nova Zelândia. Significa dizer que, se houver derramamento em qualquer ponto do polígono, o óleo atingirá Abrolhos.
De lá pra cá, o plano foi absorvido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) como um “excelente trabalho”, mas nada foi feito de prático, além da promoção de discussões internas do governo. “Esse estudo é excelente”, avaliou Cristiano Villardo, coordenador-geral de Petróleo e Gás do Ibama. “Seria interessante ter uma solução de longo prazo, se é tão importante assim proteger Abrolhos, como diz o governo”, afirmou.
Medida tampão. O expediente de curto prazo foi adotar uma zona de 50 quilômetros ao redor do arquipélago, que fica excluída dos leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP), informou o próprio órgão regulador.
Novamente para comparar, o derramamento do poço Macondo, da British Petroleum, sujou de óleo 790 km da costa norte-americana há um ano e meio.
“Mais de 20 mil famílias dependem de Abrolhos para sobrevivência, e a extração de recursos ali representa 10% da riqueza pesqueira do País”, descreveu Guilherme Dutra, um dos autores do estudo da Conservação Internacional. “Não somos loucos de propor exclusão de áreas econômicas, mas simplesmente não dá para permitir exploração de petróleo e gás, certamente é um risco.”
O Instituto Chico Mendes (ICMBIO), do governo federal, pretende brigar pela criação de novas áreas de proteção ambiental na região, segundo Rômulo Melo, que preside a instituição. “Há interesse do governo em preservar Abrolhos e temos conversado com as ONGs para ver onde a gente possa propor outras áreas de conservação.”
O Ministério do Meio Ambiente adotou, em 2006, uma portaria vedando a exploração de petróleo em área próxima à zona de exclusão proposta pela Conservação Internacional, segundo Villardo. O movimento ajudou a excluir mais de 200 blocos de uma licitação da ANP.
Mas o instrumento foi derrubado pela Justiça no ano passado. A partir de então, as empresas retomaram a exploração.
O governo também optou por uma solução política. Em vez de definir uma zona de exclusão formal, de forma transparente, ficou decidido, por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética, que a ANP deveria consultar o Ibama antes das licitações.
O problema é que o instituto não tem lei para trabalhar e evitar que a exploração se aproxime de Abrolhos.
Confusão. A falta de regras levou até a estatal Petrobrás a iniciar a exploração de áreas que podem representar riscos a Abrolhos. A empresa disse ao Estado que suas operações estão “de acordo com legislação vigente e dentro dos mais rigorosos padrões internacionais de segurança operacional, com absoluta preocupação com o meio ambiente”.
A disposição do governo de ampliar áreas de proteção, no entanto, representa um risco para a própria petroleira e seus acionistas. Em comunicado enviado ao Estado, a Petrobrás elencou medidas adotadas para prevenção de acidentes. Por exemplo: “Todas as unidades marítimas de perfuração (…) são equipadas com sistemas que podem prover o fechamento imediato e automático do poço, prevenindo seu descontrole.”
Outro exemplo: “A companhia, seguindo os mais modernos padrões internacionais, instalou dez Centros de Defesa Ambiental (CDAs) distribuídos no País.” A Petrobrás foi a única empresa que respondeu aos questionamentos feitos pelo Estado.
ENTREVISTA
Ilana Wainer, professora do Instituto Oceanográfico da USP
1.As licitações para prospecção de petróleo estão bastante próximas dos limites do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. Essa distância é segura?
A meu ver, não. Aliás, é bastante complicado falar em distância segura em uma atividade como esta. A gente não sabe o que pode acontecer em caso de acidente, é uma situação potencialmente perigosa.
2.Além da exploração do petróleo, que traz consigo riscos de vazamento, há outros perigos?
Sim, há. Quando você perfura o fundo do mar, pode liberar gases causadores do efeito estufa que estão lá embaixo. O óleo do subterrâneo está misturado com gases dentro das rochas. Quando você perfura, eles se volatilizam e vêm à tona.
3. Você vê alguma solução possível para essa situação de Abrolhos?
Tem de haver um esforço de investimento em energias limpas, pois o risco de exploração em uma área dessas não vale a pena.
Fonte: Karina Ninni / Estadão