O vagabundo

O vagabundo

No seio da noite de Salvador existe um mundo de solidão. É um mundo triste e sem fim; um grande mundo assombrado e pobre que aumentou muito com a pandemia. Quando desci do prédio era quase noite. Então, vi alguém deitado na calçada, era um morador de rua, com curativos nas pernas.

Muitos tem medo, devido a violência que vivemos hoje, mas o medo não dá lições. Perdido o medo, perde-se o que aprendemos com ele, quer-nos ou para escravos, ou para nada. Estava sentado há algum tempo na lateral do CCAA encostado na parede. Começou a falar com a expressão ligeiramente distante de alguém que já contou aquilo tudo antes. – Hoje faz duas semanas – começou, sem muito entusiasmo. Informou que mora na invasão da Lapa, local chamado de “Portelinha”, e que foi alvejado por ladrões com cinco tiros, mas sobreviveu.

Ninguém deve acreditar que está sozinho, porque em cada um vive o sangue dos que o geraram e este morador de rua tem sua história. Disse: “Somos todos invisíveis. Nossa presença não faz diferença para ninguém, apenas para aqueles que passam por nós e sentem medo ou raiva. Acham que todos são vagabundos, mas estão enganados. Eu sou um homem de bem, de família, estou aqui de passagem, apenas por acaso”.

Disse que o principal motivo para estar nas ruas foi a morte do filho, aos 15 anos. “Meu filho teve um tumor na cabeça. Os médicos disseram que fizeram tudo para salvar a vida dele, mas não teve jeito. Não consegui me reerguer e estou aqui por causa desses problemas da vida”, relembrou.

“Sou maltratado, pior que cachorro, sofro dia por dia. Não tenho condições nenhuma, tudo é precário, o negócio é dureza. As pessoas acham que todos os moradores de rua são vagabundos, mas não são, nem todos, muitos estão na rua não porque querem, é porque dependem mesmo. Tenho vontade de melhorar de vida, ter minhas coisas”, disse. “Saí sem destino de Cruz das Almas até Salvador andando. Hoje me encontro aqui na rua, nesta situação”.

Está gasto pelo tempo, marcado pelas intempéries das ruas, se erodindo, com sua vida nômade. Seu rosto mal barbeado parecia rude, mas era simpático. Quem é vulnerável acaba sendo atacado, é simples assim, as pessoas sentem isto. Neste momento, a lua irrompeu das nuvens e desenhou um prisma colorido no chão.

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