O ofício de viver

 

Agora estou sentado numa cadeira, junto a janela para observar ora a rua lá fora ora meu apartamento, a consciência silenciosa de um tipo de indignação com a fome que aumentou no país, o pensamento inquieto e triste.

Mas será possível evitar que, em determinadas horas vespertinas, nas quais olhamos para a noite que cai e, talvez, para uma chuva leve, não nos tornamos melancólicos? Neste mês de julho, meus dias transcorrem de acordo com meus objetivos.

Levanto cedo, por volta das cinco horas, rezo, tomo café e vou a academia, depois tenho sempre uma perícia para fazer, almoço em casa, leio. Vivendo esta vida retrospectiva ou profética, doce e misteriosa. Nessas horas, que são a maior parte do tempo, leio ou medito, esquecido de total as coisas do meu século.

Se a arte te ensina alguma coisa é a particularidade da condição. Lembra de um livro que tinha lido. Eu leio muito, leio tudo que me caía nas mãos. Compreendo cada personagem poético com a sensação de estar me reconhecendo ali e penso e sinto o estilo de um livro por tanto tempo até que um novo exerça seu efeito sobre mim.

Quantas vezes estive cansado. Infeliz da minha completa impossibilidade, cativo da hora impraticável, faltado de todo o bem-querer humano, faltoso a todos os meus compromissos e, mesmo assim, estive certo dessa manhã, que nos aguarda a todos.

Tenho gratidão pela noite que acabo de dormir, pesadamente, tomar vinho. Em tudo isso, quando apego a esta minha vida, por este destino sem porto de chegada , pelo meu coração, que só deseja o acaso dos homens e das coisas! Que incontida necessidade de confiar! Que lúcida noção de todas as minhas falhas…E, mesmo assim, viver! Ninguém recebeu o conselho dos mortos. Por isso, ninguém se deve matar.

Meu amigo, abra uma janela de sua casa – a que dá para o mar ou a natureza. Procure o mundo e dê-se por perdido. Viva, sem a nervosia de procurar-se a si mesmo, porque cada um de nós é um perdido, um ilustre perdido, na humanidade vária e numerosa. Viva, que no fim dá certo.

Nada há definitivo no mundo, nem o infortúnio nem a prosperidade. O que a tua imaginação supõe estar perdido, acha-se apenas transviado ou oculto. Como deveis saber, há em todas as coisas um sentido filosófico. E, para começar, emendemos Sêneca. Cada dia, ao parecer daquele moralista, é, em si mesmo, uma vida singular, por outros termos, uma vida dentro da vida. Não digo que não; mas por que não acrescentou ele que muitas vezes uma só hora é a representação de uma vida inteira? Aliás, hoje pode-se levar no bolso nossa vida digital, Internet, e-mail, música, TV, filmes, fotos, arquivos de documentos e até telefone.

Estes novos tempos são feitos de um susto atrás do outro. O homem é obrigado a ter olhos dilatados. O telefone celular, na era eletrônica, lembra o canivete suíço na era mecânica: servia para tudo. Hoje, somente em pescaria. Às vezes, quando se dava o eclipse dos humores.

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