Nordeste é líder em número de usuários de crack menores de 18 anos

Em Salvador a maioria das pessoas que usam a droga é formada por homens, cerca de 80%

Nordeste é líder em número de usuários de crack menores de 18 anos
(Foto: Mauro Akin Nassor)
Quando se fala em usuários de crack, é possível que a maioria dos brasileiros pense na famosa cracolândia de São Paulo. Mas duas pesquisas nacionais divulgadas ontem mostram que nas ruas das nove capitais do Nordeste — entre elas, Salvador — se encontra quase metade dos usuários da droga e similares (pasta base, merla e oxi) do país — 148 mil, ou 38,7% do total de 382 mil usuários regulares da droga.

Os estudos, apresentados ontem pelo Ministério da Justiça (MJ), naquele que é considerado o maior levantamento já feito no mundo sobre o assunto, revelou ainda um perfil sobre esses usuários: eles são, em sua maioria, homens jovens, com idade média de 30 anos.

As pesquisas, intituladas Estimativa do Número de Usuários de Crack e/ou Similares nas Capitais do País e Perfil dos Usuários de Crack e/ou Similares no Brasil foram coordenadas pelos pesquisadores Francisco Inácio Bastos e Neilane Bertoni, da Fiocruz. Elas mostram que o contingente de usuários de crack das capitais representa 35,7% do total dos que usam drogas ilícitas (exceto a maconha), estimado em 1 milhão.

Para a superintendente de Prevenção e Acolhimento aos Usuários de Drogas e Apoio Familiar, da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia (SJCDH), Denise Tourinho, os números são preocupantes, mostram que é preciso investir no enfrentamento ao crack e outras drogas, mas não indicam uma epidemia nacional. “Sem dúvidas, é um número que ocupa bastante a nossa cabeça. Nós estamos investindo e vamos investir pesado”, garantiu.

Nordeste é líder em número de usuários de crack menores de 18 anos

Salvador

Não foram divulgados números específicos sobre os usuários em cada capital. Porém, considerando que os 148 mil usuários estão numa população total de 12,1 milhões (soma das populações das nove capitais nordestinas), Salvador, com 2,88 milhões de habitantes, teria cerca de 35 mil usuários.

Consultada, porém, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Sedes) informou que, dos 3.500 moradores de rua de Salvador, 30% deles usam a droga – 1.050 pessoas. Não há dados sobre o uso domiciliar da droga.

O perfil de usuários da capital baiana, segundo o secretário da pasta, Maurício Trindade, não foge ao padrão nacional: a maioria, de quase 80%, é formada por homens. Nos locais onde se consome crack na capital – destaque para a região do Gravatá, o Pelourinho e a Passarela do Crack, na Avenida Contorno –, são facilmente encontradas crianças e adolescentes, idosos e mulheres, muitas delas grávidas.

Para quem trabalha nas imediações da cracolândia soteropolitana, os transtornos são diários. “Aqui, eles pegam as pedras ali no ferro-velho e vêm para cá usar. Eles jogam pedras nas portas, dão pontapés e brigam entre eles”, contou um comerciante da Ladeira da Praça.

Ele diz que costuma usar bombas de São João para afastar os usuários, que dormem e fazem necessidades nas calçadas. Os comerciantes reclamam até da redução no fluxo de clientes.

Escuro

Assim como a prefeitura, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) não tem dados do uso da droga; tampouco a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos da Bahia (SJCDH), que usa a pesquisa domiciliar do Ministério da Saúde de 2005 e nunca havia feito um estudo específico sobre o crack.

A pasta da Saúde municipal não tem o levantamento compilado e os números apresentados pela Sedes – muito abaixo da estimativa a partir da pesquisa – podem ter aumentado nos últimos meses, além de não incluírem os usuários domiciliados. Já os dados específicos sobre a capital do próprio estudo do Ministério da Justiça só devem chegar ao público no final do ano.

Políticas

Mesmo sem números, o titular da Sedes, Maurício Trindade, reconhece que as instâncias governamentais não conseguem solucionar o problema e aposta no tratamento oferecido por ONGs e igrejas. “Pelo governo, o servidor público não recebe dinheiro para trabalhar até determinado horário ou para correr atrás de traficante, é uma ilusão. Os únicos resultados positivos vêm de quem tem motivo espiritual para fazer. É a história de que só Deus salva”, declarou.

Há um ano e meio, funciona na capital o projeto Cristolândia, que é ligado à Igreja Batista e conta com parceria da prefeitura. “Hoje, a gente investe cerca de R$ 340 mil por mês, basicamente em doações de frequentadores das igrejas”, disse o pastor Décio Pimentel, coordenador do projeto.

O Cristolândia possui cerca de 200 voluntários na capital, que fazem um trabalho social com usuários de crack e moradores de rua. “Hoje, temos 140 usuários cadastrados no programa: de 30 a 35 são mulheres e temos muitos menores”, disse.

A nível estadual, o enfrentamento ao crack está sendo feito através do programa federal Crack, É Possível Vencer, implantado no estado em agosto. Segundo Denise Tourinho, coordenadora da Superintendência de Prevenção e Acolhimento a Usuários de Drogas e Apoio Familiar (Suprad), da SJCDH, a meta é aumentar a rede de atenção até o final de 2014 em Salvador, Feira de Santana, Camaçari, Itabuna, Vitória da Conquista e Juazeiro. “A gente precisa de mais equipamentos e serviços do que a gente dispõe hoje no Brasil todo”, avaliou ela.

Em Salvador, existem apenas quatro centros públicos dedicados ao tratamento de usuários, mas em nenhum deles é possível passar a noite: os três Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-ad) e o Centro de Estudos e Terapia de Abuso de Drogas (Cetad-Ufba).

Menores

Além de liderar os números absolutos de usuários de crack nas capitais, o Nordeste também tem o maior número de usuários menores de 18 anos: dos 53 mil, 28 mil estão no Nordeste – 13,8% dos 382 mil usuários nas capitais.

A superintendente da Suprad, Denise Tourinho, considera o número assustador. “O que vai ser desses jovens e crianças? É um problema delicado e que requer um cuidado especial”, disse.

“Eles não trabalham, não produzem, só usam os serviços, principalmente saúde, Bolsa Família, abordagem social. São consumidores, mas não têm futuro. É um problema para a cidade turística e para os moradores de Salvador. A não ser que nós do governo ofereçamos isso, o destino é a morte ”, disse Maurício Trindade.

 

 

 

 

Fonte: Clarissa Pacheco, com colaboração de Caique Santos/Correio

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