Comer, beber e comprar, principalmente comprar, as lojas estão sempre cheias, mesmo com a ameaça do vírus, mas as igrejas esvaziadas, as palavras não são de orações e sim de consumo, apenas centelhas isoladas lançadas na fé ou um fraco clarão para o menino Jesus e holofotes nos presentes, sei que o relógio das mortes está aumentando com as reuniões de Natal, as pessoas feito loucas, e por um momento penso no Natal lá longe, a doce e calma ceia da infância, o presépio.
A família ainda inteira ao redor da mesa, mas este ano tudo fragmentado, dividido, uma onda de árvores de natal em quatro pés toscos e solitário nos lares, um pequeno buraco foi feito nos presentes pela ameaça da pandemia, estamos entre o mundo puro e mágico de Papai Noel e o mundo precário do vírus. Este é o mundo que nos prende; estamos amarrados a ele.
Quantos lares desfeitos com mãos que disseram adeus a esta vida enrolados em sacos pretos, sem velório. Instantes petrificados na memória dos parentes, que rezam para conciliar um modo de Natal que una este mundo com a saudade dos que partiram, buscando outras verdades fora da troca de presentes, já que para os familiares das quase duzentas mil vítimas deste vírus a vida mudou de cor, o bonito viver se transformou num tapete escuro.
É assim que será preciso viver, talvez ainda com felicidade e momentos de alegria, mas com o peso da dor, a vida colocada entre parênteses. E no meio desta quietude dos mortos, onde os abutres fazem um inventário dos corpos vejo já os astros correrem como lágrimas pela fase do céu com o contraste da vasta felicidade difusa do sol nas praias neste verão.