Na Bahia, 60% dos mais de 17 mil médicos estão concentrados na capital

Na rede pública, a razão é de menos de um médico para mil baianos. O dados do Conselho Federal de Medicina mostram que o estado ocupa o 18ª lugar em distribuição dos profissionais por cada grupo de mil habitantes

Se você ficar doente, ou simplesmente quiser checar se está tudo bem, provavelmente já sabe a quem recorrer. A figura daquele médico vestindo o familiar jaleco branco logo vem à mente. Todo mundo vai precisar de (pelo menos) um, ao longo da vida. No entanto, nem todo mundo vai encontrar algum disponível quando precisar.

Isso porque o número de médicos na Bahia está abaixo da média nacional e distante de locais como Distrito Federal e Rio de Janeiro. Essa é a conclusão do estudo Demografia Médica no Brasil: Cenários e Indicadores de Distribuição, divulgado no início da semana pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp).

De acordo com o levantamento, existem 17.741 médicos registrados no Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) para atender a todos os 14.175.341 residentes do estado. Ou seja: se mil baianos precisassem se consultar com um médico no mesmo dia teriam que disputar um mesmo profissional, já que o índice não passa de 1,25.

Ranking

Se for comparado com outros estados, a Bahia fica em 18º lugar no ranking da distribuição de médicos. No Distrito Federal, por exemplo, são 4,09 médicos para cada mil habitantes, enquanto no Rio de Janeiro e em São Paulo, os índices são de 3,62 e 2,64, respectivamente.

O Brasil, com dois médicos para cada mil pessoas, também, não está na melhor das situações — ainda que o índice seja maior que o da Bahia. Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) não definir um número ideal de médicos, o país ainda fica atrás de vizinhos como a Argentina, que tem uma média de 3,16 profissionais para cada mil habitantes.

Cuba, que lidera o ranking de países segundo estatísticas da própria OMS, tem 6,39 médicos pela mesma quantidade de habitantes.

Para o secretário estadual de Saúde, Jorge Solla, o número de médicos para atender os baianos é insuficiente. “Se fosse o bastante, não teríamos a quantidade de postos de trabalho abertos, nem estaríamos recebendo médicos de outros estados devido à carência que temos aqui”, disse.

Um exemplo dado pelo secretário foi que mesmo depois de ter convocado todos os aprovados no último concurso para médicos na rede estadual, realizado em 2008, até o ano passado, ainda há vagas. “Vamos abrir uma seleção pública nas próximas semanas para contratos temporários, na tentativa de suprir as vagas que o concurso não ocupou”, afirmou Solla.

SUS

Os dados do CFM também indicam que a razão de médicos cadastrados no Sistema Único de Saúde (SUS) é ainda menor: 0,81%. Para o presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed), Francisco Magalhães, o índice reforça que os médicos migram para a iniciativa privada. “O serviço público maltrata demais o médico. Então, quando surge uma oportunidade na rede privada é natural a migração”.

O secretário Jorge Solla, por sua vez, pensa que esse resultado ainda deve ser analisado. “O problema é que temos casos que não estão bem definidos. Muitos hospitais privados atendem pelo SUS. É difícil encontrar algum profissional que não tenha um pé no SUS”, replicou.

Novos cursos

De acordo com o secretário, um dos investimentos que vão ajudar a demanda no estado é a criação de novos cursos de Medicina e novas vagas nos cursos já existentes.

No ano passado, a presidente Dilma Rousseff aprovou a implantação de cursos de Medicina em São Antônio de Jesus, na Universidade Federal do Recôncavo, em Paulo Afonso, no novo campus da Universidade do Vale do São Francisco, além de Teixeira de Freitas e em Barreiras, em novas instituições federais.

Solla também acredita que os investimentos são suficientes para suprir a necessidade de trabalho dos profissionais. “Nos últimos seis anos, criamos 1.300 leitos somente na rede estadual. Isso significa um batalhão de postos de trabalho”, apontou.

Sem estrutura

Por outro lado, o presidente do Cremeb, José Abelardo de Meneses, afirma que o número de médicos do estado consegue suprir as necessidades da demanda.

“Em Salvador, temos até um número excedente de médicos. Cidades como Feira de Santana e Juazeiro têm um número de médicos ativos suficiente. Já numa cidade como Itabuna, temos um Hospital de Base com muitos médicos, mas totalmente sucateado”.

A criação de novos cursos também não é vista com bons olhos pelo Cremeb. “Em algumas profissões , para se formar, basta bons professores e biblioteca. Medicina não é assim”. Na visão do presidente do conselho, para que um curso funcione bem, são necessários bons laboratórios, cadáveres, estrutura de laboratórios e de hospitais.

Para atrair médicos, prefeitos do interior engordam salários

Mais da metade dos médicos da Bahia está na capital. Segundo o levantamento do CFM, 60,6% deles estão concentrados em Salvador. Em Quixabeira, município que fica a 300 quilômetros de Salvador, o secretário municipal de saúde, Jessé Rodrigues, diz que há muita dificuldade em encontrar médicos dispostos a se fixar na cidade.

“A cidade é pequena e não tem tudo que a capital oferece, especialmente para jovens recém-formados. A maioria quer fazer residência e não temos nenhuma aqui”, explicou.

Na cidade, os médicos são contratados pelo Programa Saúde da Família (PSF), onde devem trabalhar 40 horas por semana, e recebem cerca de R$ 10 mil mensais. “Tem alguns que acabam trabalhando três turnos ou até dois dias e meio. É difícil segurar o médico por 40 horas em cidades no interior”.

Segundo o presidente do Sindimed, Francisco Magalhães, os médicos muitas vezes são atraídos para o interior por propostas ilusórias. “Aparecem salários astronômicos, mas quando vai ver, a realidade é completamente diferente.

Temos diversos casos de médicos que trabalharam o primeiro e o segundo mês, mas não recebiam. É o conto do vigário”, denunciou. O presidente do Cremeb, José Abelardo de Meneses, também reforça que alguns médicos se decepcionam no interior e, por isso, preferem continuar em Salvador.

“É preciso compreender que a fixação de médicos em locais de difícil provimento requer não só salários como o governo vem oferecendo, mas também infraestrutura. Existem muitos hospitais no interior sem resolutividade”.

Especialista raro na Bahia começa ganhando R$ 15 mil

Em todo o estado, segundo o levantamento do CFM, existem apenas 22 médicos especialistas em radioterapia. Um deles é Arthur Accioly, 40, médico dos hospitais Português e São Rafael, além de coordenador do núcleo de radioterapia do grupo Delfin.

Arthur é um médico oncologista que usa a radiação para o tratamento do câncer. Sem fazer ideia do que era a especialidade na época da faculdade, ele disse que caiu por acaso na área ainda pouco explorada.

“Só fui ter contato depois de formado, porque fazia radiologia e acabei tendo acesso à radioterapia”, explicou o médico, que concluiu o curso na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em 1995. Ele logo foi atraído, assim que conheceu a radioterapia. “A gente mexe muito com imagem e tecnologia. É bastante dinâmico”.

O médico acredita que o motivo de a área em que trabalha estar sendo mais divulgada somente nos últimos anos é o aumento do investimento para o tratamento de câncer. “Hoje a procura (de recém-formados) é maior, porque a incidência de câncer é muito alta. Isso faz com que aquela pessoa que nem pensava em oncologia comece a cogitar fazer”, explicou Arthur, que fez residência no Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro.

Até hoje, não existe uma residência em radioterapia na Bahia, mas quem se interessar pela área tem motivos para ficar feliz: apesar de não revelar o salário, Arthur conta que um radioterapeuta no início de carreira pode ganhar até R$ 15 mil.

Além da radioterapia, especialidades como cirurgia da mão, torácica e genética médica são algumas das que tem menor número de médicos na Bahia, com, respectivamente, 25, 23 e 6 profissionais registrados.

‘Vai valer a pena’, diz estudante

É praticamente lei: para ser aprovado em Medicina, precisa estudar muito, já que sempre é um dos cursos mais concorridos. A estudante Rebeca Achy, 28, pode se considerar vitoriosa. Depois de cinco anos tentando, conseguiu a vaga na Escola Bahiana de Medicina.

Hoje, no sétimo semestre, ela já pensa no que vai se especializar: Oncologia, Neurologia ou Pneumologia. “Quando entrei, vi que era bem difícil, porque tenho que abrir mão de mim mesma, mas vai valer a pena”, acredita. Para o professor do curso de Medicina da Ufba José Tavares Neto, a alta demanda pelas vagas do curso tem razões históricas.

“É uma das profissões imperiais, como Engenharia e Direito. Assim, existe uma atração enlouquecida, que não sei explicar. Todo mundo quer ser ‘doutor’”. No último vestibular da Ufba, a concorrência foi de 58 candidatos por vaga.

 

Fonte: Thais Borges/Correio 

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