Fiz uma perícia judicial de insalubridade de um cozinheiro na linha verde, ele tinha uma expressão melancólica quando passou a me contar sobre sua experiência de trabalho, foram mais de quarenta anos. Ele seca os olhos, foi demitido na pandemia. Disse: “Eu era parte da mobília deste hotel”.
Todos o conheciam, diziam que ele nunca se aposentaria, que seria preciso carregá-lo para fora de lá em um caixão. Não estava se sentindo pronto para uma mudança de vida. Estava viúvo e com sessenta e seis anos. Não tinha nenhum hoppy além de caminhar e ver filmes, e nenhum ensino formal desde que abandonou o colégio, aos dezesseis anos. “Preciso de uma rotina”, repetia para mim. Algo que me faça levantar de manhã.
Nesta fase da vida, quarenta anos fazendo sempre o mesmo, neste mundo em transformação, frequentemente, neste corpo cheio de vida ainda, existe uma alma cheia de dor. Algo em sua memória. Um sentimento de injustiça, talvez; uma pontada de raiva pelos artifícios em que seu destino havia se enrolado. A rotina para ele era o cordão umbilical que o ligava ao mundo exterior, a vida além do seu trabalho parecia assustadora.