Meu Pai e o Direito de Ir e Vir

Hoje a lo largo na cidade grande

Quando vagueio a procurar por mim

Me dou de conta assoviando a esmo

E me interrompo sem chegar ao fim

A minha copla de assoviar solito

Tropeando ruas numa relembrança

É aquela mesma que meu pai trazia

Que estranhamente me deixou de herança

Copla de Assoviar Solito

Luís Carlos Borges.

Meu Pai e o Direito de Ir e VirE era assim meu pai, querendo caminhar e conversar, quando realmente não se podia. As horas eram outras. Estavam comprometidas. Eram horas de tirar água da cisterna, hora de acender fogo para esquentar água para o banho, ou hora da capina, só assim para vencer o mato que embora rasteiro, insistia em crescer na frente de casa. E lá vinha ele, querendo conversar e me ouvir. E lá vinha ele a me convencer que eu tinha direito igual aos meus irmãos, e pior que isso, ficava me convencendo que eu tinha, apesar dos meus jovens doze anos, direito a emitir opinião, direito de pensar, e também como meus irmãos, direito de caminhar ao lado dele na rua de casa, subindo e descendo a mesma rua, a falar do dia, dos livros…da vida.

E foi assim, que bem cedo, aprendi que apesar de ser criança, apesar de ser mulher… eu tinha direitos e dentre esses direitos, tinha o direito de ir e vir, de andar, de caminhar. Direito de conhecer o mundo, andar, ir e vir, acompanhada de quem eu escolhesse, ou mesmo ir e vir sozinha com meus entreveros.

A vida passa, o hábito fica e o hábito nos faz. Querendo ou não, o ir e vir que foi inserido em meu legado, passaram a ser um bem meu, que eu não quis esperar por herança, mas já quis apossar de pronto. E isso acabou me fazendo um pouco sem terra e um pouco pertencente a cada lugar em que vivi.

E aí nos perguntam por que sermos advogados criminalistas. Não nos culpe. Na vida de cada um de nós, deve ter havido um pai nos fazendo acreditar que tínhamos o direito de ir e vir. De seguir adiante. E quando alguém não anda, ou não pode andar, isso nos dói de forma pessoal, de forma plena, pois o direito de ir e vir, para nós é quase sagrado.

Que se façam então como nas guerras. Matem os pais! Matem os pais e já não teremos quem saia a caminhar pensando. Matem os pais e já não teremos mais crianças pedalando a esmo desde a mais tenra idade. Matem os pais e as mães não terão tempo de serem mães, pois terão que ser pais.

Mas, se não puderem matar os pais. Deixem os filhos sem saber quem são eles, e em pouco tempo, as louças sujas empilhadas na pia, serão mais importantes que ouvir uma boa música, falar de política ou assistir uma partida de futebol.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui