Meu inimigo e meu refúgio

“Embora ele me mate, ainda assim esperarei nele; certo é que defenderei os meus caminhos diante dele.” (Jó 13.15)

Estamos diante do que é possível acontecer quando a fé que experimentamos é relacional e não meramente funcional. Quando estamos aprendendo a desenvolver uma identidade, sermos “alguém” diante de Deus; e quando, para nós, Deus é “alguém”, um ser além de nós, um ser que não confinamos e definimos a partir de que nos parece adequado, mas um ser livre, que pode nos surpreender (e surpreende) e sobre quem podemos ficar confusos. Deus é tão indizivelmente distinto e maior do que nós, que, se não nos equivocamos sobre Ele e jamais nos decepcionamos com Ele, devemos nos pergunta se temos nos relacionado realmente com Deus. Pois talvez estejamos nos relacionando com um “outro deus”, um que criamos ou que alguém criou para nós.

Lendo o livro de Jó vemos um homem e Deus. Este homem está se desentendendo com Deus e Deus deixa o desentendimento avançar. Ele não atende os pedidos do homem, que acredita que tudo se resolveria se sua oração fosse respondida, algo muito recorrente em nós. Deus não responde pois “precisa saber” se Jó ainda estaria com Ele, mesmo com suas expectativas frustradas e suas necessidades negadas. Afinal, é esta a tese do livro: “Poderia alguém amar a Deus por nada?” E Jó está se saindo muito bem, embora não pareça isso aos seus amigos. “Ainda que Deus me mate, continuo tendo-o como minha esperança. Todavia, também continuo a me defender diante dele!” Isto é devoção cristã. É assim, quando aprendemos a crer inspirados por Jesus e não por fariseus.

Os fariseus ensinavam a fé funcional, das regras, normas e ritos: a oração como um caminho para pedir; a santidade como uma forma de merecer ou como uma resposta ao medo de ser castigado. Construir a vida sobre este fundamente é construí-la sobre a areia: e quando a oração não for ouvida? E quando mesmo fazendo “o certo”, as coisas não derem certo? Jesus ensinou a fé do pai na porteira esperando a volta do pródigo. A fé do pastor que festeja a ovelha recuperada. Na fé de Jesus o amor predomina. Há vida, crise, perdão, revolta e volta, acolhimento… há pessoas e Deus, em conflito de vontades, mas unidas pelo amor. No drama de Jó Deus é seu inimigo e seu refúgio. Algo possível apenas numa fé entre pessoas, embora uma seja humana e a outra, divina. Quero crer como Jó!

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