Jerusalém libertada (poema)

Por Pedro Ivo Rodrigues

Brigam judeus e árabes pelo controle de Jerusalém, a cidade

santa e milenar na qual os profetas agonizaram.Não é a mesma

desde as cruzadas,quando Saladino e Ricardo Coração de Leão a

dividiram em cômodos de luxúria e devaneios.

Brigam insanos e gênios (inclusive o da lâmpada) por um grão

de areia perdido num deserto estéril e macabro.Por outro lado,o ca-

deado da opressão racha diante de trovões hediondos,porém divinos.

Uma criança em prantos mostra o futuro em suas pupilas.

Liberta-te Jerusalém, cidade guerreira e apocalíptica!Ouças o

zumbido dos gigantes e o suave beijo da bondade!

Mil vozes e mil canções fizeram parte do repertório de um Salo-

mão apaixonado, num tempo em que tu, Jerusalém, eras um feto.

Cem milhões de vidas emergiram do sonho de Isaías, numa tarde

em que todos adormeceram.Escadas de glória e tronos de conhecimento

guiavam os viajantes como um farol que orienta os navegantes.

Onde estavas, cidade etérea, quando vislumbraram o zênite?Segura?

Não!Disputada por espadas e fuzis automáticos, num confronto de gera-

ções!O sangue do povo sendo servido em taças finamente adornadas e a

mentira e o blefe reinando confiante nas pregações religiosas.

Quando teu rei chamou as prostitutas, marginais e doentes,leprosos do

mundo, o povo o atendeu sem maior demora,mas foi reprovado em suas li-

ções gramaticais.Teu soberano, oh Jerusalém,vestiu o manto do amor e en-

tronizou a pureza nos caprichos celestiais.A coroa deste homem,em dado

momento,foi de espinhos, depois de apogeu eterno e brilhante, como a mais

bela tiara de ouro trazida entre asas e vestes do arcanjo Gabriel.O ferimento

em seu peito transformou-se no grito de dor da humanidade incompetente

e vendilhã.Os pregos que lanharam as suas mãos são as balas assassinas

disparadas hoje em tuas ruas.As chicotadas que o mártir recebeu são agora

as crianças violentadas e arrebanhadas nas fileiras dos exércitos.As ofen-

sas e cuspes na face do mestre representam a ignorância em que vivem

atualmente os descendentes de Longino.No entanto o olhar de ternura des-

te homem perdurará enquanto a história existir,porque há uma única pa-

lavra e apenas um único desafio: vencer as estações rebeldes e camponesas.

Por que, cidade anciã, teima em não dividir a verdade, sendo que tu és

a mãe de todas as cidades e a gestante de todas as bíblias e livros

místicos?Sofres e choras diante das guerras mundanas travadas e só teu

seio tem a capacidade de amamentar este planeta infantil e desigual.

Oh Jerusalém, chegou a hora de destruir a escravidão e triturar as cor-

rentes que te prendem!A aurora boreal incandescente te tomas e te

transportas ao topo do teto da Terra e faz com que ninguém possa chegar

aos segredos nunca decifrados.Uma coisa pueril e madura,cruel e

bondosa,maravilhosa e única,flor de muitas manhãs e sabor de néctares

retirados do céu.Algo sem nome,sem data,sem medidas ou explanações

algébricas.Uma mensagem da Trindade e calmante para os

descontentamentos.Porém, presenteias os fiéis com águas redivivas e

humanistas…

Tu, corte dos dois mil anos, trazes um fragmento bem pequenino da

fraternidade experimentada ao longo dos séculos,tomado de todas as ci-

vilizações,suas co-irmãs, e em troca o messias te dará o silêncio de seu

coração e frases eternas de sua fisionomia,porque o abstrato por fora é

diminuto,mas por dentro é magnânimo!

Quando tuas fronteiras caírem, as diferenças serão apenas na maneira

de escutar o canto dos pássaros e a brindar a ceia em dias de festa.Adeus,

portas conquistadas,armaduras usadas,lanças quebradas,fogo infame e gra-

nadas nas casas!Tu, agora, não serás mais servil, madrasta dos sete povos e

rainha dos versos do Tigre e do Eufrates.

10/06/2001

*Do livro “Estilhaços de Sonhos Perdidos no Vazio da Existência”, publicado em junho deste ano.

 

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