Circula na internet o vídeo de uma palestrante que alerta pais sobre o que ela descreve como uma perigosa tendência entre os adolescentes: o uso de músicas que ativam as mesmas áreas do cérebro que as drogas entorpecentes. “A pessoa fica totalmente drogada, como se estivesse consumindo cocaína”, afirma.
O vídeo de alerta da palestrante reage a relatos de jovens que vem se espalhando pelas redes sociais. Em um dos mais famosos, o influenciador digital Johnathan Bastos diz: “Hoje eu vou ensinar para vocês como ficar ‘locão’ sem droga e sem nada entorpecente, totalmente legalizado. Você só vai precisar de duas coisas: internet e Youtube. É fácil”, afirma o rapaz.
Os depoimentos se referem ao I-Doser, um programa de computador que vende experiências sonoras que, segundo a empresa, estimulam o humor e as sensações a partir de músicas gravadas com ondas binaurais, uma técnica antiga e bastante conhecida na área de física e medicina. Dois sons com frequências diferentes, mas muito próximas, são combinados para gerar a percepção de um terceiro som.
“Muitos usam áudio de ondas cerebrais binaurais para relaxar, ter uma experiência recreativa, melhorar a meditação, ioga, equilíbrio holístico e muito mais. Com centenas de doses disponíveis, as possibilidades são infinitas”, afirma o site.
Entre as experiências de usuários, a empresa destaca a de um comprador denominado Peter. “Eu vi cores e padrões! Quando a dose acabou, eu ainda vi cores saltando por cerca de 15 minutos e fiquei energizado com um ótimo humor por uma hora. Foi a melhor viagem da minha vida”, descreve o homem.
Sons com efeitos psicodélicos?
O neurologista Thiago Taya, do Hospital Brasília/Dasa, explica que o efeito descrito pelos usuários não é comparável aos proporcionados pelas drogas. De acordo com o médico, as ondas sonoras podem sim interferir nas emoções, mas não conseguem afetar as redes cerebrais de maneira significativa.
“Os sons binaurais emitidos pelo I-Doser geram uma sensação paradoxal, muitas vezes despertando empatia e aversão, e podem ser interpretadas como surreais. Se o paciente for sugestionado, pode achar que eles simulam o efeito do uso de drogas ilícitas. Mas a droga em si provoca um efeito químico cerebral muito mais impactante no funcionamento do nosso cérebro”, explica o neurologista.
“É muito difícil que sons simples e até os mais complexos, como os binaurais, gerem a mesma sensação de uma droga. É mais provável que isso cause uma experiência auditiva incomum, que dá uma falsa impressão de ser a sensação do uso de drogas. Seguindo esse mesmo raciocínio, é muito improvável que eles consigam gerar um dependência química”, pondera Taya.
O neurologista explica que as alterações das emoções ocorrem com qualquer estímulo sensorial, como os visuais – ao assistir um filme ou ver uma foto, por exemplo –, táteis e gustativos. “Todos eles interferem nas ondas cerebrais. Isso acontece o dia inteiro, em todas as experiências que a gente vive”, explica o médico.
“É claro que algumas experiências auditivas específicas podem gerar resposta e sensações mais objetivas no nosso cérebro, como uma música que nos emociona ou que nos dá sensação de maior energia para praticar atividades físicas. A experiência emocional causada por um estímulo auditivo tem potencial para melhorar o humor e o sono, por exemplo”, afirma.
Fonte: Metrópoles