Histórias

Histórias

Quando cheguei a Irecê, no início dos anos oitenta, todos os rostos me pareciam iguais, todas as mulheres, que trabalhavam na agricultura, se assemelhavam, jovens ou velhas.

Quase todas tinham a boca desdentada: perderam os dentes por cansaço ou má alimentação, a cidade era pobre, vivia da agricultura de feijão, milho e mamona. A água era salobra, não tinha ainda água encanada, a linha de ônibus era a Cristo Rei, onde se dizia” Cristo é o passageiro e Rei o proprietário ” devido ao mal serviço prestado.

A viagem para Salvador saindo à tarde era um pinga pinga. Existem segredos que são joias raras nas memórias do tempo, vivi lá três anos e cinco meses, o choque de sair de uma cidade de dois milhões de habitantes e morar em uma de cinquenta mil foi grande. Abateu- se sobre mim um vazio, uma espécie de ausência da quantidade de opções de vida que tinha na capital.

Os moradores das cidades do interior parecem ser mais ligados ao divino, praticam mais os ritos sagrados. Dividi o quarto com um amigo que lia a Bíblia todo dia, acabei adquirindo este hábito. Na minha cabeça havia uma vaga sensação de necessidade de preencher o tempo, então li muito além da Bíblia , também li: Servidão Humana de Somerset Maugham, narrando a solidão do viver, O Vermelho e o Negro de Stendhal, Os irmãos Karamazov de Dostoievski, Cânticos de Cecília Meirelles, entre tantos outros, isto depois de um dia de trabalho estressante.

Tinha os olhos vulneráveis, tomados pela infinita esperança inerente à juventude, nesta época vivi o fim do regime militar, entre 82 e 85, mas já compreendia que vida era luta, via isto na pensão que fiquei todos buscando um lugar ao sol. Antes, não tinha pontos de referência. Tudo nesta existência era banal e indiferente, já que só estudava e morava com os pais. Então esta experiência foi um símbolo para mim.

A força secreta da vida não está no ambiente protegido da casa dos pais, mas no mundo.
Assim aprendi a amar Irecê. Se o pobre tem aqui uma vida muito dura, e cada dia mais dura, ele sempre encontra um momento de carinho e de prazer na alma desta cidade, que é nobre e grande sobretudo pelo que ela tem de fé.

Ali tive um sentimento do que era natural. Somos hóspedes da vida e a morte nos sorverá em um instante, assim a pequena cidade sensibiliza mais a alma humana, pelas escolhas simples do viver.

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