Há histórias de todas as espécies. Algumas nascem ao ser contadas; sua substância é a linguagem, e, antes que alguém as ponha em palavras, são apenas uma emoção, um capricho da mente, uma imagem ou uma lembrança esquecida.
Outras chegam completas, como maçãs e podem repetir-se até o infinito sem risco de ter seu sentido alterado. E há histórias secretas que permanecem ocultas nas sombras da memória; são como organismo vivos, nascem-lhe raízes, tentáculos, e com o tempo, transformam-se em matéria de pesadelos.
Por vezes, para exorcizar os demônios de uma recordação, é necessário contá-la como um conto. Meus tios, não vou contar detalhes, para preservar a memória, envelheceram juntos, tão unidos que, com os anos, chegaram a parecer irmãos; ambos tinham rugas, gestos de mão, inclinação de ombros iguais; os dois estavam marcados por costumes e anseios semelhantes.
Tinham compartilhado cada dia durante a maior parte de suas vidas e, de tanto andar de mãos dadas e de dormir abraçados, podiam combinar para se encontrar no mesmo sonho. Nunca se tinham separados desde que se haviam conhecido, meio século atrás.
Visitava sempre eles quando ia a São Paulo, agora, não me esqueço de que nenhum de nós pode amar e ser amado sem a possibilidade da perda, morreram com diferença de seis meses.
*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe semanalmente no site www.osollo.com.br.