De frente para o mar da Baía de Todos-os-Santos, no meio do caminho entre o hoje bairro do Comércio e a Calçada, os meninos órfãos da Casa Pia de São Joaquim se esbaldavam: era naquelas águas, logo ali em frente, que os garotos costumavam tomar banho. Não por acaso, o lugar passou a ser chamado, no início do século XIX, de Água de Meninos.
Os órfãos já não tomam banho naquelas águas, mas o comércio que passou a despontar ainda na colônia, favorecido pela presença do mar e de um atracadouro, cresceu. Da pequena venda de um artigo ou outro, virou feira – a maior e mais importante da capital, tem tanta gente empregadas e donas de casa carregadas de sacos e cestas de frutas, verduras e legumes, o vozerio dos mercados e fregueses. A feira, não sei por quê, me leva a essa divagação infantis; vagueio com suave emoção entre cebolas de brilho metálico e couves e alfaces liricas. E uma compra de formiguinha, de banca em banca, sempre pechinchando.
Passear pelas inúmeras vielas da Feira de São Joaquim é a certeza de encontrar um pouco de tudo o que a Bahia tem. Vai e vem de gente, ervas dos mais variados tipos, frutas frescas, potes produzidos do recôncavo baiano, animais, artesanatos de barro, cestos e bolsas de palha, artigos religiosos, iguarias de dar água na boca e um colorido de encher os olhos. Seus corredores formam um grande labirinto, onde o visitante pode dar um mergulho profundo, sem filtros e recortes, na alma da cultura baiana.
Antes de se estabelecer no local atual e levar o nome que tem hoje, esse comércio a céu aberto já ocupava a cidade. Na década de 30, se chamava Feira do Sete, por ficar próxima ao sétimo armazém das Docas, e recebia um movimento intenso de saveiros chegados do Recôncavo.
Depois, com a modernização do porto de Salvador, mudou de endereço e passou a se chamar Feira de Água de Meninos, sendo retratada em alguns livros de Jorge Amado e outros tantos desenhos de Carybé – que, conta-se, tinha o lugar como um de seus pontos preferidos da cidade – inclusive o lindo gradil da entrada da feira é uma obra de Carybé.
Se hoje a feira é considerada um dos pontos turísticos de Salvador, teve seu surgimento em cima de uma tragédia. Em 1964, o local sofreu um incêndio que a destruiu completamente.