Artigo especial de Teoney de Araújo Guerra, pesquisador da história de Eunápolis, conta um pouco da história
No dia 12 de maio de 1988, o então governador, Waldir Pires, sancionou a Lei nº 4.770, que emancipava o povoado de Eunápolis. Chegavam ao fim, de forma a atender aos anseios dos moradores do então povoado, articulações e mobilizações que duraram cerca de 26 anos. E a partir daí, teve início o processo de criação da nova unidade federativa do Estado, que só foi concluído no dia 1º de janeiro de 1989, quando o juiz de Direito, Edvaldo Oliveira Jatobá empossou o primeiro prefeito municipal, Gediel Sepúlvida Pereira, o vice-prefeito, José de Oliveira Melo, e os 13 vereadores, instalando em seguida o novo município.
Novo capítulo de uma história que se iniciou nos idos da primeira metade da década de 1940, quando Joaquim Quatro, um lavrador que fugia da Justiça de Minas Gerais, aqui chegou e construiu, nas imediações de onde hoje é a esquina das ruas Marcílio Dias e 13 de Maio, no bairro Gusmão, uma morada tosca, de madeira e palhas, onde residiu por cerca de uns 10 anos. Pouco depois de Joaquim, segundo o escritor Alcides Lacerda, teria chegado outro lavrador, de prenome Dioclécio, que aqui teria vivido “algum tempo” – não há registro da sua estada aqui.
Esses são os primeiros registros de uma ocupação que somente se efetivou, realmente, alguns anos depois, através de um acampamento dos trabalhadores que construíram o “ramal” – parte da rodovia hoje denominada de BR-367, que liga Eunápolis a Porto Seguro -, entre os anos de 1946 e 1948. Segundo os originais de um livro inacabado deixado por Wanderley Nascimento, um morador antigo do povoado, “como o pagamento dos operários era feito na sede da EMENGE, as famílias de alguns tarefeiros e operários começavam a instalar pequenos botecos nas proximidades da empresa, margeando a BA-02 e a rodovia de Porto Seguro. Januário Neres, morador antigo, juntamente com o ex-proprietário das terras, Joaquim Quatro, instalara um casebre que servia de pensão e depósito a pessoas e mercadorias em trânsito para Porto seguro (…) Foi assim que, de barraco em barraco, de família em família, o acampamento foi tomando forma de povoado”, relata Wanderley.
De acordo com relatos, a povoação que foi iniciada nas imediações da Praça do Cruzeiro, se estendeu por áreas próximas, não distante das fontes de água: a bica e o córrego – depois denominado de Gravatá -, com a construção de residências, pequenos estabelecimentos comerciais e pensões. Construções rústicas, de tábuas ou taipa” e cobertas com tábuas.
De acordo com relato de Moisés Reis, publicado na revista Eunápolis, editada pelo jornalista Jeová Franklin de Queiroz em 1985, “Em 1950, já era notório o desenvolvimento do povoado, o movimento de pessoas aumentara assustadoramente, vindo gente de Sul a Norte, de Minas Gerais e até do Espírito Santo”.
E continua. “O povoado crescia, se aglomerando mais pessoas a cada dia que passava. Tendo mais gente, os problemas começaram a surgir, se fazendo necessário a presença de uma autoridade policial, para impor respeito nos arruaceiros que após tomar alguma cachaça, na maioria das vezes criavam problemas. Havia pequenos conflitos também com o Ivan [Moura], que se tornara proprietário das terras nas quais os moradores se instalavam, e que ele queria proteger a sua posse por todos os meios, motivando a preocupação de alguns, que se dirigiram ao Coronel Arsênio, comandante do Batalhão de Polícia em Ilhéus, cuja jurisdição alcançava todo o estremo-sul, buscando prevenir problemas futuros. Foi então, por ordem daquele comando, instalado o primeiro posto policial em meados do ano de 1951, tendo como seu comandante, o Cabo Otávio, completando o destacamento, os soldados Moisés Camilo de Almeida, Arnoldo, Girolde, Artur e Cesar.
E segue: “Uma feirinha foi instalada, e onde hoje é a rua José Bonifácio; foi construído o campo de pouso, equipamento urbano necessário, numa época em que o avião era um meio de transporte comum. E a chegada de um contingente cada vez maior de trabalhadores proporcionou a instalação de botecos e casas de prostitutas, que foram se aglomerando a cerca de 500 metros do acampamento, nas margens da estrada de Porto Seguro – primeiro quarteirão da avenida Porto Seguro -, formando um enorme prostíbulo”.
Depoimento de Antônio Lima Ribeiro, que chegou ao povoado no dia 11 de março de 1953, informa que naquela data, já havia no “Sessenta e Quatro”, uma ocupação na área onde hoje são as ruas: Gravatá, Porto Seguro e Paulino Mendes Lima, onde haviam “poucas casas e meias-águas cobertas com taubilhas e completamente fora de alinhamento. Só na rua do Peixe – Paulino Mendes Lima – existiam duas casas cobertas com telhas”.
Por essa época, caminhos estreitos e tortuosos rasgados por entre a mata fechada eram transitados por tropas de burros que faziam o comércio na região denominada de interior e na área fronteiriça ao vizinho estado de Minas Gerais. Assim, a pequena povoação passou a servir como uma espécie de entreposto dos tropeiros que faziam o transporte de mercadorias entre o norte de Minas Gerais e Porto Seguro. Utilizando a antiga “estrada mineira”, tendo que passar por Gabiarra, Sapucaeira, Campo do Alecrim, Queimadinhas e Queimada Grande, deixaram de fazer uma parte desse percurso. Ao chegarem a Sapuceeira, desviavam para o Km 64, onde passaram a montar espécies de depósitos, sob barracas de tecido, para as suas mercadorias. Do Km 64, então, as mercadorias eram transportadas de caminhão para Porto Seguro. Da mesma forma, os produtos industrializados que chegavam à cidade litorânea de barcos vindos de Salvador e Ilhéus, também vinham para os depósitos do Km 64, de onde eram retirados e levados pelos tropeiros para o norte de Minas Gerais e outras localidades.
Dessa forma, a instalação desses depósitos gerou um movimento de compra e venda de mercadorias no Km 64, e com ele, mais gente e dinheiro circulando.
No dia 7 de março de 1954, uma equipe de engenheiros liderada pelo secretário de Viação e Obras Públicas do Estado da Bahia, Eunápio Peltier de Queiroz, veio ao povoado para inaugurar o trecho da BA 02 – ainda de terra batida – que ligava o povoado de Mundo Novo ao Km 64. Recepcionado com grande festa: ruas enfeitadas, grande público e discursos, o secretário ouviu uma reivindicação da população, que queria a aquisição de uma gleba de terras contíguas à área já ocupada, visando ampliar a povoação que não comportava o grande número de moradores, que já invadiam as terras do fazendeiro Ivan Moura. O Dr. Eunápio prometeu atender ao pedido, e no dia 12 de maio era lavrado o Recibo da compra de cinco alqueires das fazendas Boa Nova e Gravatá, de propriedade do fazendeiro Ivan de Almeida Moura. A área adquirida permitiu a ampliação da povoação.
Após a compra dos cinco alqueires das fazendas Boa Nova e Gravatá, ruas foram locadas e as áreas destinadas à construção das casas divididas em lotes, que foram distribuídos à população.
Em junho de 1961, José Dantas da Conceição, um sertanejo de Ribeira do Pombal que chegara ao então povoado em abril, iniciava as atividades, na então praça do Mercado – hoje parte da rua 5 de Novembro -, de um armazém que tornou-se o maior fornecedor de querosene, sal, açúcar e outras mercadorias não apenas do povoado, mas para as povoações e cidades circunvizinhas. Nesse tempo, o comércio do povoado se restringia a pequenas “vendas” que comercializavam gêneros alimentícios, utensílios domésticos, bugigangas e ferramentas.
Outros pombalenses vieram depois: Lucas de Souza Reis (Tio Lucas) e Sinval Alexandre de Jesus, Ariston e Rogaciano Alves dos Reis, Graciliano Nobre, José Bastos e Edmundo Silva, quase todos se estabelecendo no comércio com armazéns que vendiam no “atacado”, atividade que passou a ser dominado pelos sertanejos. Assim, Eunápolis começou a ser um importante fornecedor de alimentos e produtos da microrregião.
A expansão urbana e o real desenvolvimento do Povoado ocorreram a partir daí. A área urbana já se expandira para além da região central, núcleo pioneiro da povoação, com o surgimento de dois bairros: Doutor Gusmão e Pequi.
Na segunda metade dessa década, foram implantadas no povoada a energia elétrica e a iluminação pública – em 1964-, gerada por um motor de caminhão a diesel -, a primeira agência bancária – do Banco de Crédito da Bahia – e o primeiro posto telefônico. A instalação do posto telefônico deveu-se a iniciativa de um grupo de comerciantes influentes, que comprou e instalou por conta própria, onde hoje é a rua 5 de Novembro, a unidade telefónica. A sua instalação deveu-se mais aos interesses comerciais, visando tornar mais fáceis as compras das empresas e o contato direto com os fornecedores, localizados nos grandes centros. Entretanto, permitiu à população, de uma forma geral, o contato direto com os familiares que moravam nas outras cidades da Bahia, em outros estados e regiões do Brasil. Até então, todo o contato com os parentes era feito unicamente pela troca de correspondências, via Correios. Longas filas se formavam no posto telefônico, especialmente à noite.
Na segunda metade da década de 60, o governo estadual construiu um trecho da BA-02, ligando Eunápolis a Itamaraju – uma rodovia de chão, sem asfalto, mas de boa qualidade, que permitiu um intercâmbio comercial maior com aquela cidade e a ampliação da fronteira econômica – e depois a entregou ao domínio do governo federal, que a integrou à BR-101, construindo o trecho da rodovia que corta todo o extremo sul baiano e ligou a região cacaueira à divisa do Espírito Santo.
A construção da rodovia, inaugurada em abril de 73, possibilitou não apenas a Eunápolis, mas a toda região, um novo ciclo de desenvolvimento, o “ciclo madeireiro”, que teve por base a exploração madeireira.
Capixabas e mineiros foram maioria entre os fomentadores desse ciclo, que promoveu uma verdadeira transformação na economia local: gerou milhares de empregos diretos e indiretos, atraiu novos empreendimentos, empreendedores e milhares de novos moradores.
Porém, em 1988, o governo federal proibiu a derrubada da mata nativa, o que causou o fim do ciclo madeireiro. Eunápolis, assim como toda a região, viu o fim desse período próspero, passando a viver a pior crise até então, com o fechamento de quase todas as serrarias, o que resultou em forte desemprego e a diminuição drástica na circulação de dinheiro na economia.
Foi nesse cenário de crise que se deu a emancipação de Eunápolis.
Fonte: Radar64