Na última quinta-feira, a empresa farmacêutica americana Inovio anunciou planos de desenvolver uma vacina contra o vírus zika, que soaram promissores por causa dos prognósticos de testagem em seres humanos já no final de 2016 – muito mais rápido do que as estimativas mais otimistas feitas previamente por outras companhias e instituições de pesquisa.
E um detalhe curioso é que os planos do laboratório foram divulgados pela revista de economia e negócios Fortune.
A epidemia do vírus no Brasil e em pelo menos outros 20 países das Américas, junto ao surgimento de casos nos EUA e na Europa, poderá alimentar uma “corrida do ouro” no mercado global de vacinas, segmento que passa por uma espécie de ressurreição depois de por décadas ter sido, segundo observadores, negligenciado pela indústria farmacêutica.
De acordo com dados de uma série de consultorias americanas e europeias, as vacinas movimentaram cerca de US$ 24 bilhões em 2014, ante US$ 8,9 bilhões em 2005.
Embora o volume seja uma parte ínfima da registrada pelo mercado farmacêutico global anualmente – US$ 300 bilhões, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) -, o crescimento anual tem sido de 10% a 15%, superando a taxa dos remédios (5% a 7%).
Lucros
“O surto do zika é, sem dúvida, uma oportunidade de negócios que antes não parecia existir porque a doença parecia ‘benigna’ o suficiente para não justificar o investimento em curas ou prevenção. A suspeita de que o vírus causa microcefalia, porém, criou novo interesse e agora companhias estão anunciando que estão desenvolvendo vacinas”, explica Ana Nicholls, analista de indústria farmacêutica da Economist Intelligence Unit, em Londres.
No passado, algumas grandes companhias farmacêuticas chegaram a se desfazer de suas divisões de vacinas, mas, segundo analistas, o setor ganhou novo impulso graças a uma combinação de fatores.
A começar pelo surgimento de novas oportunidades de financiamento, sobretudo doações filantrópicas – em 2010, por exemplo, o bilionário da informática Bill Gates anunciou planos de investir US$ 10 bilhões no desenvolvimento de vacinas.
A evolução na tecnologia de produção e pesquisa também tornou o mercado mais atrativo, ainda mais depois da descoberta das chamadas vacinas blockbuster, mais voltadas para o mercado adulto e que podem ser vendidas a preços mais salgados.
Algo bem diferente do antigo paradigma da produção de vacinas: com custos de pesquisa e desenvolvimento mais altos e regulamentação mais complexa, elas não eram tão lucrativas para companhias farmacêuticas quanto remédios comuns – em especial as usadas apenas uma vez.
Mas na última década as grandes se lançaram sobre o mercado. Hoje, cinco delas dominam 75% das vendas de vacinas.
“Em um mundo globalizado, doenças transmissíveis também oferecem riscos para países mais ricos, e isso também é uma oportunidade de negócios”, completa Nicholls.
Outro determinante foi o crescimento da demanda global por vacinas, em especial nos países em desenvolvimento, que também viram sua produção de vacinas crescer.
Um exemplo é a indiana Bharat Biotech, que nesta quarta-feira anunciou ter entrado com o pedido de patente de dois tipos de vacinas “candidatas” para o zika junto ao governo indiano e que começará os testes em animais “nas próximas semanas”.
No Brasil também há movimentação. Foi criada uma força-tarefa de cerca de 40 laboratórios por conta do zika, e uma das linhas de pesquisa averigua se a tecnologia da imunização à dengue (em fase de ensaio clínico no Instituto Butantan) poderia ser adaptada contra o zika.
E no final do ano passado, a Anvisa (agência nacional de vigilância sanitária) aprovou vacina contra a dengue da Sanofi Pasteur, divisão de vacinas da francesa Sanofi – que, aliás, também entrou na corrida por uma vacina contra o zika vírus.
Lobby
Enquanto entidades internacionais como a OMS e a Aliança Global para as Vacinas e a Vacinação (GAVI) adotam certa cautela diante dos anúncios de novas iniciativas, o mercado parece gostar.
No dia em que anunciou os planos para sua vacina genética contra o zika, a Inovio viu suas ações na Bolsa de Nova York subirem 8%. E em tempos de preocupação com o avanço do vírus e de mais pessoas expostas as suas possíveis complicações, anúncios do gênero também podem despertar a atenção de autoridades públicas de saúde.
“Mas é preciso que as pessoas entendam que estamos comprometidos em fazer a vacina chegar o mais rápido possível às mulheres que podem estar em situação de risco por causa do zika”, afirma Joseph Kim, fundador da Inovio, cujo valor de mercado é de US$ 500 milhões – bem menor que a cotação de quase US$ 115 bilhões da Pfizer, uma das maiores pharmas do mundo, que na semana passada anunciou a intenção de produzir uma vacina.
“Por isso estamos abertos a parcerias com o governo, sobretudo para buscarmos investimentos para o programa de desenvolvimento da vacina. Não somos uma gigante farmacêutica.”
Uma fonte ligada à comunidade internacional de saúde disse à BBC Brasil que a gravidade da epidemia do zika deverá fazer com que interesses humanitários e comerciais andem de mãos dadas nos esforços de desenvolvimento de uma vacina.
Algo já visto, por exemplo, no recente surto do ebola na África, em que autoridades de saúde assumiram partes dos custos para que laboratórios desenvolvessem vacinas e tratamentos para uma doença que não tinha o que se pode chamar de um mercado lucrativo para a indústria farmacêutica – o ebola ficou confinado a países pobres do continente.
No entanto, um relatório da ONG Médicos Sem Fronteiras, divulgado no ano passado, estimou que, em média, o custo de vacinação de crianças nas regiões mais carentes do mundo cresceu quase 70 vezes desde 2001. Estimativas informais de analistas do mercado farmacêutico são de que uma vacina contra o zika poderia custar entre US$ 10 e US$ 50 por dose.
“Por isso, é bastante importante que os esforços contra o zika não se resumam ao desenvolvimento de vacinas. O vírus também oferece oportunidades para empresas voltadas, por exemplo, para a erradicação do Aedes aegypti. Há diferentes interesses em jogo e isso pode dar margem para muito lobby”, avalia Ana Nicholls.
Fernando Duarte/BBC Brasil em Londres