Nas grandes cidades, um dos sintomas das más condições da mobilidade urbana é o congestionamento. São carros demais para vias de menos. Quem tem carro, enfrenta engarrafamento, e em Salvador apesar da melhoria da mobilidade urbana não nos livramos deles.
É como se uma nuvem densa e escura estivessem pousada em cima da gente. As ruas sempre lotadas após quase fim da pandemia, como se todo mundo tivesse decidido sair em casa. A tensão no ar é de uma acirrada partida de tênis, todos aguardando ansiosamente o próximo vôleio, do carro a frente, existindo neste inferno pequenos caleidoscópios de cor dos faróis dançando na pista. Nestes congestionamentos a vida se perde, pois menos de dois segundos podem-se viver uma vida e uma morte e uma vida de novo. Esses dois ínfimos segundos como forma de contar toscamente o tempo devem ser a diferença entre o ser humano e o animal: assim como Deus talvez conte o tempo em frações de séculos dos séculos: cada século um instante. Quem sabe se Deus conta a nossa vida em termos de dois segundos: um para nascer e outro para morrer. E o intervalo, meu Deus, talvez seja a maior criação do Homem: a vida, uma vida, e nós no congestionamento.
Mas o tempo corre, e as nossas sensações com ele se modificam. Em nosso corpo, o stress está na ponta de uma corrente, que é aliviada quando o carro segue em velocidade de cruzeiro. A noite em volta estava escura e o ruído do trânsito era constante, como o motor de uma geladeira. Os gritos, as folhas, o vento. Dentro, do carro, o som de Elton John e dava a impressão de que as pessoas na rua fazem parte de um espetáculo e podem ganhar vida a qualquer momento, se o carro parar. Quando finalmente consegui chegar em casa , estas sensações externas desaparecem. As sombras, as luzes , os barulhos, ficam para trás. Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza, temos este direito. O carro não tem lembrança, então o passado não o tortura.