Em uma cidade qualquer

Em uma cidade qualquer

Um carro pequeno segue por uma estrada ao longo da BR. O ar frio da tarde torna ainda mais órfã essa paisagem sem charme em algum lugar entre o fim de um subúrbio e o campo, onde as casas são raras e não se veem pedestres.

O carro para na beira de uma estrada vicinal; uma mulher desce, jovem, muito bonita. Coisa estranha: ela empurrou a porta com um gesto tão negligente que o carro por certo não foi trancado.

Que significa essa negligência tão improvável em nossa época de ladrões? Seria ela tão distraída?

Não, ela não dá a impressão de ser distraída, ao contrário, pode-se ler determinação em seu rosto. Essa mulher sabe o que quer. Essa mulher é pura vontade. Anda cerca de cem metros pela estrada em direção a uma ponte sobre o rio, uma ponte muito alta, estreita, proibida para veículos.

Percorre a ponte e se dirige à outra margem.  Olha em torno várias vezes, não como uma mulher que estivesse sendo esperada por alguém, mas para se assegurar de que ninguém a espera. No meio da ponte ela para.

À primeira vista, poderíamos dizer que hesita, mas não, não é hesitação, nem uma súbita falta de determinação, ao contrário, é o momento em que ela intensifica a concentração, em que torna sua vontade ainda mais obstinada.

Sua vontade? Para ser mais exato: sua raiva.

Sim, a pausa que parecia hesitação é na verdade um apelo à sua raiva para que fique com ela, a sustente, não a abandone um só instante.

Ela passa por cima do corrimão e se atira no vazio. No fim de sua queda, quando colide brutalidade com a dureza da superfície da água, ela morre. Neste grave acontecimento, a imaginação vai  inventa tudo.

*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe semanalmente no site www.osollo.com.br.

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