Uma dissertação de mestrado, defendida em 2010 na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), analisou o potencial de liquefação na barragem da Vale que se rompeu no dia 25, em Brumadinho (MG).
Em sua conclusão, o estudo afirma que os rejeitos presentes na estrutura constituem materiais que tendem a exibir “susceptibilidade potencial a mecanismos de liquefação”.
A dissertação também conclui que “em função de alguns procedimentos operacionais inadequados realizados nesta barragem”, diretrizes eram “recomendadas para aumentar a segurança”.
A mudança na característica física do rejeito, que se torna menos sólido e mais líquido, é conhecida como liquefação.
Quem é o autor do estudo?
O estudo foi feito por Washington Pirete da Silva, funcionário da Vale por mais de 20 anos, e orientado pelo professor Romero César Gomes.
Já no início do estudo, o autor alerta que a liquefação tem sido pesquisada “devido aos vários eventos catastróficos que ocorreram no mundo, resultando na perda de vidas humanas, enormes prejuízos econômicos e impactos ambientais irrecuperáveis”.
Esse fenômeno foi apontado como uma das possíveis causas para o colapso da estrutura da barragem de Fundão, em Mariana, que matou 19 pessoas.
Segundo a pesquisa, a barragem, que iniciou a operação em 1976, foi construída em várias etapas e por diversos projetistas e empreiteiros. Houve sucessivos alteamentos para montante. Na época, a estrutura se encontrava no nono.
Até 2005, disposição não tinha norma
Silva afirma que os rejeitos na barragem sempre foram dispostos em forma de polpa, bombeados da usina e levados por uma tubulação até a crista da barragem. Entretanto, segundo ele, de 1976 a 2005, a operação ocorria sem uma diretriz quanto à disposição do rejeito.
A partir de 2006, segundo o estudo, houve “uma mudança no método de disposição dos rejeitos e um entendimento melhor quanto à importância desta operação”.
Nesta época, passaram a ser usadas barras de spray para estabelecer uma formação de camada de rejeito mais uniforme e homogênea possível ao longo da barragem.
O estudo indicou medidas para diminuir a chance de liquefação:
- Verificar o método de disposição hidráulica em operação, buscando uma separação hidráulica homogênea dos rejeitos para preparar uma base adequada para a implantação dos próximos diques de alteamento;
- Reduzir espaçamento entre pontos de disposição;
- Usar a barragem alteada para montante prioritariamente para contenção de rejeito e não de rejeito e água;
- Realizar manutenção de uma extensa praia de rejeito;
- Implantar estrutura hidráulica que permitisse controlar nível de água do reservatório;
- Operar de forma alternada os pontos de disposição dos rejeitos ao longo da crista da barragem, o que favorece o ressecamento do rejeito.
Segundo o autor, no estudo, não houve necessidade de proceder à avaliação de potenciais riscos da barragem a eventos do tipo de fluxos por ruptura por liquefação.
Por meio de nota, a Vale disse que a dissertação concluiu que a Barragem I atendia aos níveis de segurança propostos pela metodologia aplicada. “Como registra o próprio estudo, ‘a Barragem I apresenta boas condições de segurança em relação ao potencial ou à suscetibilidade a eventos de fluxo por liquefação’”, afirmou a mineradora.
Laudo aponta canos de drenagem entupidos pela vegetação — Foto: Reprodução/Tüv Süd
Laudo aponta problemas no sistema de drenagem
Um laudo de vistoria feito em 2018 sobre a barragem I da Mina do Córrego do Feijão detectou problemas no sistema de drenagem da estrutura.
O laudo foi feito pela empresa alemã Tüv Süd, a pedido da Vale, e conclui pela estabilidade da estrutura. Mas registra que, em determinada área da barragem que estava parcialmente saturada de água, havia um dreno seco. Outros continham trincas de onde vertia água.
Além disso, o documento recomendou a instalação de novos piezômetros, equipamentos que medem a pressão e o nível da água no solo, e de um mecanismo de registro sismológico no entorno da barragem.
Por fim, o estudo recomenda que, para aumentar a segurança da barragem e evitar a liquefação – uma das possíveis causas da tragédia –, a Vale deveria tomar atitudes que diminuíssem a probabilidade de gatilhos, como proibir detonações nas redondezas, evitar o tráfego de equipamentos pesados, e impedir a elevação do nível da água na estrutura.
A Vale afirmou que todas as recomendações foram atendidas ainda no ano de 2018. “Cabe reforçar que se tratavam de recomendações rotineiras em laudos deste gênero”. A mineradora não diz na nota se comprovou à Justiça que as recomendações foram cumpridas.
Fonte: G1