Diagnóstico

Diagnóstico

Acompanhei o diagnóstico de um paciente terminal, da família de meu pai, não parecia suspeitar da gravidade da doença no início, mas depois queria saber toda a verdade, e a verdade era cruel de dizer. Caso perdido? Perguntou ao médico. O silêncio do médico foi a confirmação daquela palavra. Ele sentia fugir-lhe todo o sangue, mas não soltou uma lágrima. Pôde refletir no perigo desta denúncia do mal , e dominou-se. Quando se achou só consigo, deu livre campo às angústias: encarou a catástrofe e pensou nas consequências da morte e no incerto futuro.

O futuro touxe-o ao presente, o presente levou-o ao passado. A vida só lhe dera alegrias médias e dores máximas. Morreu em 2019. A vida é incontrolável e situações que são consideradas como algum tipo de mal surgirão. Naquele meu tio cético, moderado e taciturno, havia uma paixão verdadeira, exclusiva e ardente dela medicina. Tinha uma conversa mansa, de quem não tem medo do futuro nem ciúmes do passado. Tinha setenta anos esse homem, uns setenta ainda verdes e prósperos. Era mediano de carnes e de estatura, e não horrivelmente feio; a porção de fealdade que lhe coubera, ele a disfarçava, quanto podia, por meio de qualidades que adquirira com o tempo e o trato social.

Muitas vezes encontro sua lembrança em alguma esquina da cidade; subitamente me sinto viver uma tarde antiga, se a vida tivesse voltado um instante – ouço aquela voz dizer o meu nome, o bater de seus sapatos na calçada, ao meu lado. Mas são lembranças vivas, carregadas de prazer e de angústia. Doem-me. Paro um momento e regresso ao dia de hoje, com todos os jogos do destino já idos e jogados. Na vida, o que passou não tem volta. As oportunidades se perdem para sempre. Dentro dele, um súbito silêncio mortal se fez notar.

Nesse instante, seu delicado amor pela vida inundou-o e ele sentiu uma profunda nostalgia da felicidade perdida. Mas depois olhou para os lados para a paz silenciosa, a indiferença infinita da natureza, viu como o rio seguia seu caminho sob o sol, como a grama tremia e as flores continuavam onde haviam florescido, para, então, murchar e serem sopradas pelo vento, viu como tudo, tudo, se curvava à existência com muda resignação.

De repente, foi tomado pela sensação de amizade e aceitação, que possibilita um tipo de superioridade sobre qualquer destino. Naquela tarde, refletiu sobre seus 70 aniversários, quando ele, gozando de paz, acreditava ter olhado sem medo e com esperança para o restante de sua vida. Não enxergava nem luz nem sombra à sua frente, mas uma penumbra suave que se dissolvia de maneira quase imperceptível na escuridão mais ao fundo. E com um sorriso tranquilo e soberbo viu que não teria os anos que estavam por vir.

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