Dia da denúncia: Delegacias da Mulher registram mais ocorrências na segunda-feira

Hoje, depois de dois dias em casa sendo ameaçadas ou agredidas pelo companheiro essas mulheres vão procurar ajuda

Ele tem entre 25 e 35 anos, ganha até um salário mínimo, tem baixo grau de escolaridade, bebe ou usa outras drogas, é extremamente ciumento, sustenta a casa e, neste final de semana, apesar de prometer se controlar, mais uma vez agrediu a esposa. Esse é o perfil de 75% dos homens denunciados por violência doméstica nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) em Brotas e Periperi.

Hoje, depois de dois dias em casa sendo ameaçadas ou agredidas pelo companheiro essas mulheres vão procurar ajuda. “Às segundas-feiras é quando registramos maior número de queixas. Imagino que isso aconteça por causa do período longo que as mulheres ficam na companhia desses maridos que estão de folga em casa”, explica a titular em exercício da Deam em Brotas, Aida Burgos.

A unidade registra entre 30 a 45 queixas por dia, mas nas segunda-feiras, esse número sobe para 55, em média. No Subúrbio, a titular da Deam da área, Olveranda Oliveira, diz que às segundas-feiras aparecem em média 20 mulheres, o dobro dos outros dias.
















Drogas

As coisas só pioram quando ele bebe. Durante a semana ele encrenca, mas é ficar em casa no final de semana que sei que vem coisa feia”, relata Aline*, de 30 anos. A psicóloga Eurides Pimentel, explica que o uso de álcool e drogas é utilizado como desculpa pelos agressores. “É muito cômodo dizer que não foi ele e sim a bebida, por isso no final de semana a mulher fica mais vulnerável. O homem sabe que vai usar a bebida como justificativa”, opina.

Somente entre janeiro e junho foram realizadas nas Deams cerca de 5,4 mil ocorrências. Grande parte dos registros mencionam ameaças; em segundo lugar aparecem as lesões corporais. Em menor número são denunciadas as ‘vias de fato’, quando o homem bate, mas não deixa marcas. “Em 80% dos casos, as agressões são feitas na face”, relata Burgos.

Dependência

Maria*, 32 anos e três filhos, mora no Parque São Bartolomeu, na região do Subúrbio, com o marido. Ela nunca trabalhou e diz que depende pra tudo do companheiro com quem convive há três anos e meio. Por isso aceita as frequentes agressões.

“Ele joga tudo na minha cara, humilha mesmo. Diz que sou uma vagabunda que ele sustenta. Só que não tenho pra onde ir com as crianças. Minha família é do interior e não tem como ajudar. Olha o que ele fez no meu rosto porque pedi para ele esperar quando botava um menino pra dormir”, diz, apontando para o olho inchado e roxo.

Ela não sabe, mas histórias como a sua são contadas frequentemente nas delegacias. “A dependência econômica é o que mais prende essas mulheres mais pobres a esses agressores”, explica a delegada Olveranda Oliveira. “Em geral, elas têm entre 20 e 35 anos e quando decidem ir denunciar já não é a primeira vez que sofreram algum tipo de violência. Essas mulheres têm medo de o marido descobrir e terminarem na rua ou serem agredidas novamente. Dos casos que atendemos nesse perfil, 40% não retornam para continuar o inquérito”.

Há 20 anos sendo se relacionando com um homem casado, Joana*, 42, conta que teve um aborto provocado pelo companheiro, mas não consegue se separar. “Contei que estava grávida. Como eu disse que não ia tirar, ele me deu um soco na barriga e quando caí no chão me deu pontapés. Perdi meu bebê. Agora estou fazendo tratamento psicológico para tentar me livrar desse mal”, conta.

Ciclo

Burgos explica que as agressões acontecem num ciclo da violência. “Ele agride, depois pede perdão e faz juras de amor. A mulher apaixonada e dependente econômica acredita, perdoa. Depois ele volta a agredir”.

Foi acreditando nas promessas que Lúcia*, 52, conviveu 22 anos com seu agressor. “Ele não deixava marca. Puxava meu cabelo, me jogava na cama e jogava panela de comida em cima de mim. No final de semana bebia muito, chegava em casa procurando briga e me forçava a fazer sexo”.

Há três anos um juiz determinou que ele saísse de casa. “Foi meu primeiro namorado. Sempre fui apaixonada e passei por muitas humilhações. O terror psicológico é muito pior que apanhar. Procurei ajuda e estou me recuperando. Só durmo com medicamentos, mas decidi que não preciso mais sofrer”, diz.

Já Deise*, 52, passou sete anos criando coragem para denunciar o marido. Embora não viva mais com ele, quando foi registrar queixa no dia 20, não parava de tremer e precisou ser amparada por uma amiga. “Ele já colocou faca na minha boca ameaçando me matar. Acha que arrumei outro e vive me xingando. Tive que sair de casa com medo de morrer. Decidi que devo denunciá-lo”, relata.

Classe média

Embora mulheres de classe média denunciem menos, a titular da Deam de Brotas diz que após Lei Maria da Penha entrar em vigor, em 2006, as ocorrências cresceram 20%. “Tenho registros de médicas, engenheiras, professoras. As agressões são semelhantes e o ciclo da violência também. A diferença é que elas podem perdoar uma vez, mas geralmente se separam se a agressão for reincidente”, diz Burgos.

Andréia*, 29, diz que preferiu deixar o Brasil a ter que contar para amigos e familiares o que terror que vivia em casa. “Ele achou que eu estava traindo ele. Começou com um tapa no meu rosto e algumas semanas depois de pedir desculpas rasgou todas as minhas roupas e me deu uma surra. Sabia que aquele tormento não ia acabar e decidi morar na Itália”, conta. Bahia é 8º no país em assassinatos de mulheres

O Mapa da Violência 2012, elaborado pelo Instituto Sangari com dados do Ministério da Saúde, mostrou que entre 1980 e 2010 foram assassinadas no Brasil 91 mil mulheres – 40% delas em casa. Enquanto a média nacional é de 4,4 homicídios a cada 100 mil mulheres, a Bahia aparece em 8ª no ranking, com índice de 5,6 mortes por 100 mil. O estado é o segundo do Nordeste, atrás de Alagoas, 2º na lista geral, com 8,3 mortes a cada 100 mil. A liderança é do Espírito Santo, com 9,4. O sociólogo Julio Jacobo, coordenador da pesquisa, diz que mesmo após a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, o país ainda não está preparado essa violência. “Mostrei onde há febre. Agora cabe às autoridades explicarem o porquê do fenômeno”, analisa. Com base no mapa foi instalada em fevereiro uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), presidida pela deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG). “O objetivo é ver em cada estado que apresentou índices altos como está sendo aplicada a Lei Maria da Penha e as falhas do poder público”, diz o secretário da CPMI, Antônio Oscar. A comissão promoverá audiência pública no Centro Cultural da Câmara Municipal de Salvador no dia 13 de julho.

Onde buscar ajuda?

DEAM: 3116-7000 (Brotas) e 3117-8217 (Periperi).

VARA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA : 3328- 1195 / 3329 -5018

NUDEM Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública: 3331-3291

CRLV Centro de Referência Loreta Valadares: 3235- 4268 / 3117-6770

SPM Superintendência de Políticas para as Mulheres: 2108 – 7300

DISQUE SAÚDE DA MULHER: 0800-611997

DISQUE-DENÚNCIA da Secretaria de Segurança Pública: 3235- 0000

GEDEM Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher do Ministério Público:

3103- 6407/ 6406

 

 

Fonte: Florence Perez/Correio

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