Descobri

Descobri

Descobri, hoje, com a madura resignação com que defronto meus impossíveis: jamais serei escritor. Descobri tarde, talvez, mas, em causa própria, nunca se renúncia a uma ambição antes que se chegue à última e definitiva impossibilidade.

Terei que ser, até a morte, o que sou hoje. Um homem que escreve crônicas em jornais, um dia melhor, outro pior, mas sem nunca dar inteiramente de si. Em meu caso, isto seria escrever, pura e simplesmente, a minha simplicidade, por exemplo, das impressões que me causasse o silêncio de uma estrada ou de um homem.

Não é preciso estar-se só, para escrever: é necessário ser-se só. Como um beduino, no deserto. Como o maquinista de um trem noturno – o olhar estendido em linha reta. Como o piloto de um avião, em viagem transatlântica, quando o perigo e o silêncio fundem e confinam o risco e a paz, vestindo o homem da sua verdadeira serenidade.

Mas, em todas as solidões, acima de tudo, ser-se só, não sentir falta da voz, do gesto, do calor, do aplauso de quem quer que seja. Ser -se só é bastar-se a si mesmo. Lembro-me de que, uma noite, senti-me só. Viajava para Salvador, minha companheira sentiu um sono invencível.

Falvavam-nos cinco horas de estrada. Quando a olhei, já o seu rosto tinha a placidez e o ar indefensável do sono. Depois, achei-me incomparavelmente só. Não porque não tivesse a quem dizer ou de quem ouvir. Mas, porque sobre a estrada descera uma neblina muito densa e muito baixa, e a luz dos meus faróis, em vez de atravessar, clareavam a cerração, tornando – a branca e compacta, como uma parede de algodão.

Eu tinha que conduzir devagar, adivinhando o desenho das curvas e a largura dos automóveis que vinham em sentido contrário. A minha guarda, havia uma mulher dormindo, uma vida ao deus-dará, o descanso de alguém a velar. Procurei-me tanto em mim mesmo que me encontrei, como nunca, legitimidade só.

Como um desmemoriado. Nas luzes que passavam por mim, comecei a entender melhor o todo da escuridão. Pensava: “Cuidado. A bruma está muito baixa. Cuidado”. E viajei assim, ciente e só, até que as luzes de Salvador despertaram minha companheira e me deram uma certa noção de missão cumprida.

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