Crise reduz a produção de moedas e falta dinheiro trocado nos caixas

Crise reduz a produção de moedas e falta dinheiro trocado nos caixas 

Além dos mercadinhos de bairro, a falta de dinheiro trocado atinge também grandes redes do varejo: “está difícil”

Em menos de 15 minutos, dois clientes chegaram ao Mercadinho Gold, no bairro da Federação, com um saquinho cheio de moedas e um pedido para trocar o dinheiro. Mas de acordo com a proprietária, Marli Lima, nem sempre é assim. “Esta cena é rara por aqui. Quase todos os dias, o normal é faltar dinheiro trocado”, revela a empresária.

Ela garante que a atitude dos clientes ajuda muito as lojas que estão com dificuldade de obter dinheiro trocado, principalmente, moedas. E o pior é que a falta de dinheiro trocado deve continuar durante todo este ano. Isso porque a recessão econômica não poupou a circulação de cédulas e moedas no país.

A previsão é de um corte de 7% no orçamento para a produção de moeda, em comparação com 2015. Segundo dados do Banco Central (BC), só em 2013, a despesa com a produção de dinheiro chegou a R$ 1,23 bilhão, enquanto entre 2014 e 2016, o valor total previsto é de R$ 1,35 bilhão. 

Assim, o jeito é apelar para as moedas que já estão em circulação, mas que muita gente teima em prender em casa nos famosos porquinhos. É o que faz o proprietário da loja de variedades De Tudo Um Pouco, Ivan Barreiro. 

“A gente pede aos clientes para trazer suas moedas e trocar aqui. A sorte é quando um deles quebra um cofrinho com moedas de R$ 1”, conta o comerciante, revelando que tem feito reserva de dinheiro trocado em casa para não faltar na loja. 

“Já deixamos de realizar uma venda porque a pessoa chegou com R$ 50 querendo comprar um produto de R$ 1 e não tinha troco”, lembra o dono do pequeno comércio que tem produtos de R$ 0,20, como uma borracha escolar, até R$ 120, uma mochila. 

Troca-troca

Outra estratégia comum é trocar dinheiro com outros comerciantes. Esta é a tática do Mercado Magalhães, no Alto das Pombas, que troca com outros pequenos estabelecimentos, como os que vendem lanches no bairro.

Segundo a atendente do mercadinho Carol Neves, falta troco constantemente. “Hoje mesmo, a caixa está vazia de moedas”, diz ela mostrando a gaveta. “Agora, uma cliente passou R$ 2 no cartão”, completa Carol, destacando que é comum as pessoas recorrerem ao pagamento em débito automático ou a crédito para não ter problema com troco.

Na Loteria da Graça, que fica no bairro de mesmo nome, a prática do troca-troca também é comum. “As pessoas da farmácia aqui ao lado e dos comércios vêm trocar dinheiro aqui com a gente. Mas tem dia que até para nós está difícil”, diz a atendente Joseane Rocha.

Segundo ela, o dono da lotérica recorre aos bancos para ter dinheiro trocado, mas até mesmo nas agências faltam cédulas e moedas. “Se fosse depender só do banco, a gente ficava sem. A sorte é que o proprietário daqui tem um irmão que tem mercado, então dá para trocar”. Joseane conta ainda que já teve que deixar um cliente esperando troco até que outra pessoa na fila trouxesse dinheiro trocado para devolver a ele. 

Em outra lotérica na Graça – a Mega Sorte – nenhum funcionário falou com a reportagem, mas uma placa no local indica que também falta dinheiro de baixo valor. “Atenção, senhores clientes, solicitamos que ao vir pagar suas contas, tragam o valor trocado, pois estamos sem valor em ‘miúdo’ devido à falta no Banco Central e nos demais bancos” (sic), diz o aviso fixado na entrada do estabelecimento.

Moedas contadas

Bom mesmo seria se todos os clientes fossem como a cozinheira Jaqueline Silva, que chegou ao Mercadinho Gold para fazer compras com o dinheiro trocadinho. “Como é comum faltar troco, eu junto moedas em casa, colocando em pequenas cestinhas, todas separadas por valores diferentes”, conta ela.

Já a aposentada Isabela Carvalho revela que já se irritou com a falta de troco em uma farmácia. “Eles acham que é obrigação da gente ter dinheiro trocado. Mas não é o consumidor quem perde, ele vai em outro lugar e acha o mesmo produto. Os comércios precisam se preparar para atender”.

Nos mercadinhos de bairro é bem mais fácil resolver o problema da falta de troco. A estudante Cauane Assis diz que isso acontece porque as pessoas são conhecidas e há uma relação de confiança. “Já faltou troco para mim e fiquei de vir buscar depois, assim como também já deixei a conta para vir pagar no outro dia. Aqui todo mundo se conhece”, ressalta.

“O que não dá é para perder uma venda”, comenta a gerente do Mercado Central, Fábia Neves. “Quando não tem troco de jeito nenhum, a gente dá um vale e o cliente passa depois para receber”, completa ela, que reforça que a maioria dos clientes do empreendimento mora nas proximidades e é cliente antigo.

Grandes redes

A falta de dinheiro trocado atinge também grandes redes do varejo. Em Salvador, o supermercado Bompreço do Cabula oferece uma caixa de leite (unidade) para cada R$ 100 em moedas que os clientes forem trocar.

Segundo informações da assessoria de comunicação, cada loja tem liberdade para definir as ações que fará em caso de necessidade do dinheiro trocado. “O próprio diretor da loja define se vai tomar alguma medida deste tipo”, afirma a assessoria. 

A mesma informação foi repassada pela assessoria do G.Barbosa sobre bônus na troca de moedas. “Os gerentes decidem o que fazer de acordo com a demanda por trocado”, escreveu.

Produção de dinheiro tem a menor expansão em 22 anos

O valor total das cédulas e moedas em circulação no país cresceu apenas 2,1% em 2015, menor expansão desde a criação do Plano Real, em 1994. Descontada a inflação, o valor do meio circulante encolheu 8,4%. É a segunda vez nestes 22 anos que isso ocorre.

A outra foi em 2003, quando gastos na produção de dinheiro foram limitados para conter a despesa pública. Os dados são do Banco Central (BC) e revelam como a crise vem afetando a produção de dinheiro. E o problema deve continuar este ano, com a previsão de 7% de corte no orçamento para a produção de numerário em relação a 2015. 

No ano passado, o número de notas que saíram de circulação, principalmente as cédulas mais antigas da primeira família do real, superou a produção de dinheiro novo, da segunda família. Com isso, a quantidade de cédulas disponíveis encolheu 1%. Caiu o número de notas de R$ 5, R$ 10 e R$ 20, entre 5% e 9%. Por outro lado, houve aumento de 6% no numerário de R$ 100, o que explica, por exemplo, por que caixas eletrônicos passaram a entregar mais notas desse valor.

O pequeno aumento no número das peças de metal em circulação (3%) parece não ter sido suficiente para cobrir a demanda. O aumento na produção de moedas se deu, principalmente, na série especial dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

O número de moedas de R$ 1 cresceu 6%, praticamente o dobro do acréscimo na circulação daquelas de menor valor. De acordo com o BC, a disponibilidade hoje é de R$ 29 em moedas ou 118 peças por habitante, acima do patamar considerado adequado.

Pesquisas do BC sobre o uso do numerário pelo comércio mostram que, na impossibilidade de obter cédulas ou moedas nos bancos, o procedimento mais utilizado é a troca com estabelecimentos próximos. Outra estratégia é a de conseguir moedas com os consumidores que as mantêm fora de circulação.

Lucy Brandão Barreto (lucy.barreto@redebahia.com.br)

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui