Um relatório aponta que de 2000 a 2010 houve movimentação atípica nas contas bancárias de 3.426 magistrados e servidores do Judiciário no Brasil
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) afirmou ontem conhecer apenas através da imprensa o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) divulgado quinta-feira pela corregedora Nacional de Justiça e ministra do Superior Tribunal de Justiça, a baiana Eliana Calmon.
O documento aponta que, de 2000 a 2010 houve movimentação atípica de R$ 855 milhões nas contas bancárias de 3.426 magistrados e servidores do Judiciário em todo o Brasil.
Bahia
Segundo o relatório, 81,7% das comunicações consideradas atípicas estão concentradas entre servidores do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro), Tribunal de Justiça da Bahia e o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. Das três movimentações de maior valor, uma foi de um magistrado da Bahia e duas de juízes paulistas que, juntas, perfazem R$ 116,5 milhões em 2008.
Através de sua assessoria, o TJ-BA disse desconhecer quem seria esse magistrado, já que não teria recebido nenhuma notificação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que colaborasse com as investigações. O órgão ressaltou também que a denúncia é sobre contas particulares dos servidores e, a princípio, nada teria a ver com desvio de dinheiro público.
“Atipicidade” nas movimentações não significa crime ou irregularidade, mas apenas que aquela operação financeira fugiu aos padrões da norma bancária e do sistema nacional de prevenção à lavagem de dinheiro. São consideradas movimentações suspeitas depósitos e transferências de valores muito superiores à renda do servidor. Isso pode gerar, por exemplo, suspeita de compra de sentenças (quando uma das partes envolvidas num processo paga a um juiz para que lhe dê ganho de causa).
Documento
Sem apontar nomes ou separar servidores de juízes, os dados também mostram que ocorreram depósitos, em espécie, no total de R$ 77,1 milhões nas contas dessas pessoas. O Coaf investigou uma relação de 216 mil servidores do poder Judiciário em todo o país. Deste universo, 5.160 pessoas figuraram em 18.437 comunicações de operações financeiras encaminhadas ao Coaf por diversos setores econômicos, como bancos e cartórios de registro de imóveis.
As comunicações representaram R$ 9,48 bilhões, entre 2000 e novembro de 2010. O Coaf considerou que a maioria deste valor tem explicação plausível, como empréstimos efetuados ou pagos.
O ápice das movimentações consideradas atípicas ocorreu em 2002, quando uma pessoa relacionada ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, no Rio, movimentou R$ 282,9 milhões. Em 2010, R$ 34,2 milhões integraram operações consideradas suspeitas.
O documento, de 13 páginas, foi encaminhado na tarde de anteontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela ministra Eliana Calmon.
Processo
A atitude da ministra é parte de sua defesa na ação movida pelas associações dos Magistrados Brasileiros (AMB), dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que pedem o fim da investigação de juízes pelo CNJ. Ela disse ao STF não ter havido quebra de sigilo no acesso às informações.
“É claro que o juiz corrupto tem que ser punido, mas sem exageros”, disse ontem a presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), Nartir Weber. A associação é vinculada à AMB e, por isso, a presidente disse apoiar qualquer decisão desta.
O documento já está nas mãos do relator do processo no STF, ministro Joaquim Barbosa. Ele pode reanalisar a liminar, que suspendeu em 19 de dezembro as investigações de 22 juízes (veja quadro ao lado), ou produzir voto para julgar o mérito do processo. Segundo a assessoria do órgão, por se tratar de um mandado de segurança, a ação tem prioridade de julgamento. No entanto, é impossível estimar um prazo para o seu desfecho.
Liminar interrompeu investigação
O relatório da Coaf que aponta suspeitas nas contas bancárias de juízes e servidores do Judiciário é só mais um capítulo da novela que teve início no final do ano passado. Em dezembro de 2011, a ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon entrou em choque com associações de magistrados e com setores do Judiciário ao pedir investigações sobre a vida financeira de juízes, desembargadores e demais servidores.
Sob o argumento de que estaria havendo excessos nas investigações, essas entidades entraram com uma ação no STJ e conseguiram, em 19 de dezembro, uma liminar expedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, que impedia Eliana Calmon de continuar com as investigações.
Dias depois, uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo denunciou que Lewandowski teria recebido os valores de auxílio-moradia que estavam sob investigação e que, portanto, teria se beneficiado de seu próprio julgamento. O ministro nega. Lewandowski analisou o caso em substituição ao relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, que não estava no tribunal. O CNJ, órgão criado para fiscalizar o Judiciário, diz que não efetuou quebras de sigilo para realizar as investigações.
Através da assessoria do órgão, a ministra Eliana Calmon informou que, por enquanto, não daria entrevista sobre o assunto.
Fonte: Priscila Chammas \ Correio da Bahia