Cirineu sim, Nereu não
“Quando o levaram dali tomaram um certo Simão, cireneu, que vinha do campo, e puseram-lhe a cruz às costas, para que a levasse após Jesus”. (Lucas 23, 26)
Depois da queda de Jesus na via Crucis, Simão – o cirineu – foi o responsável por ajudá-lo a carregar o difícil fardo do madeiro. Durante alguns minutos até o lugar chamado “a caveira” compartilhou do peso e das farpas da cruz. Estes minutos podem ter representados meros relâmpagos de tempo, instantes que desapareceram sem guardar arquivos na memória da multidão fervilhada pela decisão e o êxtase da condenação. Todavia, são minutos que se eternizam e que servem de meditação e estudo, motivação e entendimento aos que procuram absorver os últimos fulgores de luz do Mestre em condição ainda encarnada. Simão não é apenas um cirineu, um cidadão grego, mas é qualquer um na multidão. Não se tem passagem dele como apóstolo, nem se sabe o que aconteceu com ele depois de deixar novamente o mestre sozinho com a cruz. Enfim, Simão é qualquer um de nós. Um mero mortal e homem comum do povo. Sem ter consciência de sua escolha, é escolhido e precisa fazer a sua parte para atravessar a estrada e retirar o peso da cruz agora em seus ombros também. É o Arjuna ocidental que projeta, não suas flechas ou carruagens douradas, mas suas mãos de trabalho e suor de consciência tranquila para ganhar a liberdade frente à caveira. Se, como disse Paulo de Tarso (Romanos 2, 6) “o justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras”, ou então “o que o homem tiver semeado, é isso que vai colher” (Gálatas 6, 7), então é necessário que utilizemos com prudência e sabedoria, trabalho e coragem o nosso tempo e os nossos recursos na peregrinação aqui na Terra.
Se um dia o poeta português Fernando Pessoa cantou a necessidade de navegar para tornar grande a vida e a alma, então que transformemos a cruz em verdadeira lenha para movimentar nossas mãos para a caridade e o bem estar de nossos semelhantes, pois sábio é aquele que percebe que “cada um tem de carregar seu próprio fardo” (Gálatas 6, 5), ao invés do dito popular: “ponha na conta do Nereu. Se ele não pagar, nem eu”.
Paulo Hayashi, Doutorando em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)