Chacina da Candelária completa 30 anos

Chacina da Candelária completa 30 anos
Chacina da Candelária completa 30 anos. Fotos: Reprodução

A Chacina da Candelária completou 30 anos no domingo, 23 de julho, e, para quem acompanhou o massacre de perto, a infância e adolescência ainda pedem socorro no Rio de Janeiro e no Brasil. Em conversa com pessoas que estiveram com os menores e jovens que viviam nas ruas do Centro foi relembrado o desespero causado pelas mortes.

Seis menores e dois jovens que faziam parte de um grupo de mais de 40 pessoas que dormiam nos arredores da Igreja da Candelária, no Centro do Rio foram mortos na madrugada de 23 de julho de 1993. Eles foram alvo de tiros de quatro homens — três policiais e um ex-PM — que foram condenados como autores do crime.

Criadora do projeto “Escola sem portas e nem janelas”, a artista plástica e voluntária Yvonne Bezerra de Mello ajudava menores em situação de vulnerabilidade em todo o Rio de Janeiro. A ideia era oferecer instrução para aqueles jovens que dormiam nos arredores da Candelária e outros pontos da cidade.

“Eram meninos e meninas que sofreram abuso, sofreram violência doméstica, sofreram violência nas comunidades devido a operações policiais que já existiam da mesma maneira que hoje. São vidas perdidas por omissão, por negligência, por exclusão. Então, toda vez que eu estava com eles, e via os talentos que poderiam advir daqueles meninos, eu ficava até meia deprimida perguntando ‘Meu Deus, por quê? Por que desperdiçar tantas vidas?'”, afirmou Yvonne.

Chacina da Candelária completa 30 anos

Ela destaca que a chacina foi o resultado sangrento de uma série de conflitos entre os jovens que viviam nas ruas da região e policiais militares. Dos quatro condenados pelo crime, três eram PMs e um policial expulso da corporação.

“Eu sempre achava que iria acontecer alguma coisa. Eu procurei falar com autoridades na época, mas você sabe. Crianças afrodescendentes no meio da rua, tanto faz como tanto fez, como é até agora, porque isso é um pensamento que ainda existe no Brasil. Basta ver quem está nas prisões ou quem está nos abrigos, ou quem está nas medidas socioeducativas”, completou Yvonne.

Alguns anos mais tarde, ela fundou o projeto Uerê, que trabalha com a educação de meninos e meninas da Maré que sofreram traumas causados pela exposição à violência.

A consultora de direitos humanos e pesquisadora Cristina Leonardo também tem um papel importante na história dos que viviam no Centro do Rio naquela época. Ela e o grupo de voluntários que coordenava costumavam ajudar os menores a obter documentos.

Assim, Cristina preencheu fichas com os nomes e histórias de cada um que estava na área. Um vídeo também foi gravado. Após o crime, o material foi entregue à polícia e serviu como peça importante na identificação das vítimas e dos criminosos.

“Naquela época, as crianças iam para as ruas porque tinham iniciado as migrações do tráfico. Hoje vemos famílias inteiras, que muitas vezes são expulsas. Temos também a questão das milícias, uma cultura de maior violência”, disse Cristina.

Chacina da Candelária completa 30 anos

Modernização das leis

Para mudar o cenário, ela defende uma modernização nas leis da infância e adolescência, mas também projetos do poder público para dar empregos às mães e manter as crianças na escola, evitando a evasão.

Cristina destaca que o Estatuto da Criança e do Adolescente, que já estava em vigor na época do massacre, nunca foi plenamente colocado em prática.

“O Estatuto da Criança e do Adolescente tem que se modernizar em algumas questões, mas se fosse cumprido à risca, já não teríamos uma série de problemas”, destacou.

As vítimas da Chacina da Candelária são:

  • Paulo Roberto de Oliveira, 11 anos;
  • Anderson de Oliveira Pereira, 13 anos;
  • Marcelo Cândido de Jesus, 14 anos;
  • Valdevino Miguel de Almeida, 14 anos;
  • “Gambazinho”, 17 anos;
  • Leandro Santos da Conceição, 17 anos;
  • Paulo José da Silva, 18 anos;
  • Marcos Antônio Alves da Silva, 19 anos.

Os condenados pelo crime foram:

  • Marcos Aurélio de Alcântara;
  • Marcus Vinícius Emmanuel Borges;
  • Nelson Oliveira dos Santos Cunha;
  • Maurício da Conceição, o Sexta-Feira Treze.

Capacitação de conselheiros

Adilson Pires, secretário municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro, afirma que a mão de obra que trabalha com a inclusão de menores em situação de vulnerabilidade precisa ser capacitada e ter condições de trabalhar. E que a criação de uma série de ferramentas ajudou o tratamento da infância e adolescência no país.

“Nós vamos ter esse ano a eleição para conselheiro tutelar em outubro. Nossos conselhos aqui no Rio de Janeiro têm muitos problemas ainda que nós estamos buscando corrigir: de infraestrutura e de equipamentos de capacitação dos conselheiros. Nós precisamos capacitar muito, cada vez mais, os conselheiros, para eles fazerem bem o seu papel”, disse Adilson.

De acordo com o 2º Censo da População em Situação de Rua do Rio, do ano passado, das 7.865 pessoas mapeadas, 259 têm menos de 18 anos de idade.

Chacina da Candelária completa 30 anos

O secretário também percebeu a mudança do perfil, com menores nas ruas acompanhados pelas famílias e, em muitos casos, buscando obter alguma forma de renda. Segundo ele, programas sociais condicionados à presença escolar e à vacinação, por exemplo, são uma boa forma de manter essas pessoas longe da vida nas ruas.

“Quando você tem programa social que tem condicionalidade, como é o Bolsa-Família, em que a criança tem que estar na escola, isso é uma forma também de você reforçar a responsabilidade do pai e da mãe, do responsável daquela criança. Quando você tem várias instituições que fazem projetos na área do esporte, na área do lazer, da cultura, envolvendo a criança também”, disse o secretário.

Sanduíches para matar a fome

Na época da Chacina da Candelária, Pires era vereador e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Uma história o marcou. Durante uma audiência que contava com a presença de menores, crianças e adolescentes estavam agitados. Todas as tentativas de acalmá-los haviam sido frustradas. Até que alguém entendeu o motivo: “Eles estão com fome, ainda não comeram hoje”.

Um assessor foi a uma lanchonete e comprou vários sanduíches. Os adolescentes e crianças comeram, e a audiência transcorreu sem mais problemas.

Patrícia Oliveira, líder do movimento Candelária Nunca Mais, destaca que muitas famílias ainda não são atendidas por programas que devem auxiliar as pessoas em situação de vulnerabilidade. Ela afirma que a situação piorou após a pandemia.

“Além das crianças, hoje tem famílias e famílias que moram na rua. Que estão desempregadas, que perderam as casas, que não conseguiram pagar aluguel depois da pandemia. Essas pessoas perderam tudo isso. Então, a população em situação de rua, além das crianças, agora tem pai, mãe, tio, avô, tem todo mundo morando, porque a única coisa que sobrou para essas pessoas foi a rua”, disse ela.

Patrícia é irmã de Wagner dos Santos, sobrevivente da Chacina da Candelária. Ele foi colocado no porta-malas de um dos carros dos assassinos e depois baleado com quatro tiros, mas escapou com vida. Graças ao depoimento dele, as investigações levaram aos atiradores.

Ela é a representatividade do irmão, que vive no exterior, por segurança, após sofrer um atentado em setembro de 1994. Patrícia concorda que as medidas do Estatuto da Infância e Adolescência não foram plenamente aplicadas.

“Há políticas públicas que não tinham na época da chacina da Candelária e continuam não tendo. E então o movimento Candelária Nunca Mais também luta pelo direito das crianças e adolescentes. E o primeiro direito é o direito à vida. Depois, vem o direito da criança ser criança em qualquer lugar. Seja no Rio de Janeiro, ou do outro lado do mundo”, completou.

Fonte: G1

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