O Brasil, sozinho, já vacina mais que os países da União Europeia. Quando concretizada a compra, em março, a cada cinco vacinas contra Covid-19 exportadas no mundo (e, portanto, disponível para compra pelos países não produtores), uma estava no Brasil. Os dados são das gigantes estatísticas Airfinity e Statista.
O Butantan e a Fiocruz ainda não produzem o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) das vacinas, mas só o recebem do exterior e o envasam, de maneira similar a uma montadora de carros.
E a venda também não é liberada: das 657 milhões de doses fabricadas no mundo até o final de março, dois terços ficaram retidos nos países fabricantes, e só um terço foi colocado para venda para os demais.
Isso explica, em parte, o sucesso da vacinação nos Estados Unidos e no Reino Unido: o primeiro fabricou 163,6 milhões de doses, mas só exportou 400 mil, até o final de março; o Reino Unido, além de reter todas as 16 milhões de doses produzidas, ainda recebeu mais 19 milhões.
Quem não está muito bem é a União Européia: foram 75 milhões de doses para seus 446 milhões de habitantes, com uma taxa de 0,168 doses por habitante.
Essa dificuldade de prover vacinas para o público interno quase levou a UE, que é um mercado comum (e portanto decide sobre exportações de maneira conjunta) a proibir as exportações de vacina, mesmo que suas fabricantes tenham sido financiadas, na pesquisa e desenvolvimento do produto, por outros Estados.
O Brasil está numa situação bem melhor do que a União Européia: com 43 milhões de doses no final de março, com uma taxa de 0,2 doses per capita.
Segundo o Global Health Innovation Center, da Universidade de Duke, o Brasil é o quinto maior negociador de vacinas do mundo (578 milhões de doses), e o sexto maior comprador (370 milhões de doses) ficando atrás apenas dos produtores União Européia, Estados Unidos, Índia e Reino Unido, e da compradora União Africana, que o fez de maneira unificada.
Segundo essa mesma universidade, o país é o terceiro país não-produtor a comprar vacinas. Ainda em julho de 2020, a Fiocruz fechou um memorando de entendimento de compra de vacinas e transferência de tecnologia com a AstraZeneca, no valor de R$ 1,82 bilhão.
Esse acordo previa a compra de 100 milhões de doses prontas, e a transferência de tecnologia para que o Brasil dominasse todo o ciclo de produção do fármaco, inclusive do IFA, e pudesse, no segundo semestre de 2021, produzir mais 110 milhões de vacinas, tudo sem lucro e sem pagamento de royalties ao fabricante. O contrato final, assinado em 8 de setembro de 2020, pode ser encontrado aqui.
Se a comparação considerar apenas o número total de doses que cada país aplicou, o Brasil aparece em quinto lugar no ranking global de dados oficiais compilados pela Universidade Oxford. Um patamar esperado para o sexto país mais populoso do mundo, com 212 milhões de habitantes.
No quesito velocidade de doses aplicadas diariamente por cada 1 milhão de habitantes, o Brasil (3.111), até o dia 8 de abril, aparece em 58º no mundo e 10º na América.
O país tem uma enorme capacidade instalada por trás de um programação nacional de vacinação reconhecido mundialmente, mas a falta de vacinas impede o país de atingir os níveis de imunização de outras décadas. Na pandemia de H1N1, por exemplo, o Brasil imunizou quase 80 milhões de pessoas em três meses.
Por que a vacinação está lenta na UE?
O comissário europeu da indústria, Thierry Breton, responsável pela campanha de vacinação na UE, prefere apontar um responsável pela lentidão da imunização nos países do bloco: o laboratório britânico AstraZeneca, que entregou apenas 30 milhões de doses das 120 milhões previstas no primeiro trimestre do ano e ainda com atraso.
“Se tivéssemos recebido 100% das vacinas AstraZeneca previstas no contrato, a União Europeia estaria hoje no mesmo patamar da Grã-Bretanha em termos de vacinação”, disse o comissário, acrescentando que o “vácuo” registrado “é devido unicamente às falhas nas entregas da AstraZeneca.”
No segundo trimestre, o laboratório sueco-britânico deverá entregar na UE apenas 70 milhões de doses, menos da metade das 180 milhões previstas.
Discussões na Europa apontam outros erros na estratégia de vacinação do bloco, a começar pela demora na aquisição das vacinas, diferentemente do que fizeram os Estados Unidos. O governo do ex-presidente Donald Trump começou a investir para acelerar o desenvolvimento de imunizantes contra a covid-19 em abril do ano passado.
O presidente da França, Emmanuel Macron, reconheceu em um discurso recente que a Europa não soube agir rapidamente em relação às vacinas. “Somos muito lentos, muito complexos e reagimos menos rápido do que os Estados Unidos”, declarou Macron.
Segundo ele, os americanos foram “mais ambiciosos”, e a Europa precisa voltar a ter “gosto do risco”, se referindo às futuras vacinas de segunda geração contra a covid-19.
Em junho passado, a UE decidiu fazer compras conjuntas de vacinas contra a covid-19, que ficaram a cargo da Comissão Europeia.
O objetivo foi garantir condições mais vantajosas nas negociações por conta dos grandes volumes, além de proteger os pequenos países do bloco, com mais dificuldades para adquirir imunizantes de maneira isolada. A distribuição é feita de maneira proporcional à população.
Recentemente, Macron voltou a defender essa estratégia. Mas as compras envolvendo 27 países membros, com burocracias na tomada de decisões e negociações longas para tentar garantir melhores preços, atrasaram o processo.
A UE também demorou para adquirir vacinas com a nova tecnologia de RNA mensageiro, da Pfizer e da Moderna. Os primeiros contratos com esses dois laboratórios foram firmados só em novembro.
Devido à falta de doses, alguns países do bloco começaram a evocar a possibilidade de comprar sozinhos outras vacinas, como a russa Sputnik V, que ainda não tem autorização de uso na Europa.
Foi o que fez a Hungria, que preferiu nem esperar o aval da agência europeia. Resultado: 25,5% da população húngara já recebeu a primeira dose, bem acima da média europeia, e quase 10% tomou a segunda.
Recentemente, o país registrou um pico no número de mortes diárias, com base na média dos últimos sete dias.
Além disso, houve problemas de logística para distribuição das vacinas na Europa e de adaptação da capacidade de produção no continente.
Informações: Terra Brasil Notícias/BBC News/Agência Brasil