Bairro pobre

Bairro pobre

Abro uma nesga no vidro da janela e o vendedor já introduz uma caixinha, “morango, tio?”. Digo “Não” e vou repetindo o “Não” ao vendedor, que oferece panos de limpeza e ao outro que oferece chicletes, vassouras…

A miséria trabalhando, penso e digo um “Não” mais brando ao moço que oferece uma cestinha de violetas. Aproxima-se um pequeno cacho de mendigos. Fecho depressa o vidro e no retrovisor vejo a cara agressiva dos pedintes.

Na avenida pobre ensolarada, a miséria (aquela galopante) me pareceu mais calma. Ainda assim, presente. Abri o vidro da janela quando o sinal fechou lá no cruzamento. Abre logo! fiquei desejando. Mas esse era um farol distraído, tão distraído que deu tempo para o menino vendedor de bilhetes de loteria vir vindo capengando, mas sei que o mundo é a rua pobre e também a rica,a praça em bairro pobre e em bairro rico, a cidade é um aglomerado de injustiças sociais, nestes bairros, o mundo é o ônibus e não o carro.

Sofrimento é uma palavra bastante pesada. Nós imaginamos crianças morrendo de fome, pessoas com doenças graves e se tivermos pensamentos positivos, se seguirmos as regras, então o sofrimento não nos atingirá.

Em algum lugar fora de meu campo de visão, aqui em Salvador, uma criança está chorando ou pedindo no sinal de trânsito.  Salvador tem muitos bairros pobres, mas, para enfrentar esta realidade, tenho a doce narcose indroduzida pela arte, que apenas nos fornece um recuo efêmero de emergência das necessidades vitais e não é bastante forte para fazer esquecer a miséria real das ruas.

Sei que nas casas pobres desta cidade, ou do Brasil, até do mundo, a estreita porta range quando abre e no centro do cubículo, um mundo desmantelado existe, coberto com a cor do tempo.

Existe aí o abandono do poder público, existe a solidão do sofrimento, local onde é fácil a morte se instalar, tudo escuro.

São sempre as tarefas sem sentido que permanecem: lavar, cozinhar, limpar. Nunca nada majestoso ou significativo, só os pequeninos rituais que mantêm a costura da vida humana.

*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe no site www.osollo.com.br.

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