*Pedro Ivo Rodrigues
Nos últimos meses, tem repercutido em todo o Brasil as manifestações bairristas de paulistas contra nordestinos. Expressões de preconceito, ódio e menosprezo pelos naturais do Nordeste permeiam essa campanha lançada por estudantes de classe média paulistanos, engalanados numa pretensa superioridade econômica e sociocultural.
Os mais exaltados criam comunidades em redes sociais como “Devolvam o Nordeste para a África”, no Orkut, ou sugerem a morte dos desprezados, além de ostentarem camisas e tatuagens com a bandeira de São Paulo. Pobres descerebrados. Quanta parvoíce e futilidade dessa gente!A irracionalidade dos seus ataques e a sua tola vangloria demonstram o quanto são ignorantes em história, geografia e geopolítica.
Sou contra a censura. Não acho que o melhor meio de combater a xenofobia seja controlar a internet e transformar internautas em criminosos, por meio de leis toscas criadas para satisfazer as correntes politicamente corretas (eu prefiro chamar de hipócritas). Penso que paulistas têm o direito de não gostar de baianos ou cearenses tanto quanto temos de não gostar deles. No entanto o direito de um termina onde começa o do outro, assim funcionam as leis dos homens. Os excessos é que devem ser reprimidos.
Visitei São Paulo em 1991 e nunca tive vontade de voltar. Jamais cogitei me mudar para lá e buscar oportunidades de trabalho. Não que não iria se surgisse alguma proposta que valesse a pena, mas nunca foi e nem é o meu objetivo de vida.
Nada tenho contra o Estado de São Paulo ou o seu povo. Tenho conhecidos e amigos paulistas e paulistanos por quem tenho grande respeito e carinho. O que critico são os dementes que culpam o Nordeste por suas mazelas, pois essa postura revela ignorância. Têm o direito de não gostar de nós, mas devem exercê-lo com moderação, dentro dos limites da decência.
Amo a Bahia, tenho orgulho de ser conterrâneo de Glauber Rocha, Ruy Barbosa, Jorge Amado, Antônio Carlos Magalhães, Gregório de Matos, Castro Alves, Caetano Veloso, Gil, entre outros.
Foi na Bahia que o Brasil começou, foi aqui rezada a Primeira Missa na América Portuguesa, foi aqui que se fundou a primeira capital e a primeira arquidiocese, bem como a primeira faculdade de medicina deste país. Aqui, desembarcou pela primeira vez a família real portuguesa e sua comitiva, em 1808, e onde foi decretada, por D. João VI, a abertura dos portos as nações amigas. Foi o bravo povo baiano que, em 1823, derramou sangue lutando até o final com os lusos leais à Coroa de Portugal, que, decorrido um ano da proclamação da Independência, não aceitavam a separação entre as duas nações.
Foi em Salvador que ocorreu a Conjuração Baiana ou dos Alfaiates, de 1798, reprimida a ferro e fogo pelos reinóis, mas que ficou marcada pela eloquência de grandes ideólogos, como Cipriano Barata, jornalista (ou panfletário, para alguns) que passou a maior parte da vida trancafiado em masmorras e fortes, por se insurgir contra tirania da metrópole e depois a dos imperadores, defendendo a liberdade a todos os baianos.
Também foi de Salvador que partiu o mulato Francisco Félix de Sousa, em 1788, para se tornar o Chachá, ou rei, do Benin (país africano), acumulando grande riqueza e poder do outro lado do oceano e inspirando muitos dos negros que aqui ficaram.
Políticas demagógicas estimulam o bairrismo
O separatismo não é uma tendência nova no nosso país, tendo em vista que em 1835 eclodiu a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, liderada pelo coronel Bento Gonçalves, que era um militar de coragem, valor e princípios, qualidades reconhecidas até pelos seus contrários, mas que arrastou a população do seu estado para uma guerra que durou 10 anos, resultado em incontáveis baixas e graves prejuízos econômicos e sociais para o seu povo.
Uma das razões alegadas pelos paulistas é que a riqueza gerada pelo estado de São Paulo vem sendo distribuída para os estados mais pobres, assistidos por programas sociais como o Bolsa Família, o que é natural, uma vez que é um ente federado como todos os demais. Todavia é mais do que justo que um estado que foi tão beneficiado em detrimento do restante do país devolva hoje uma parte do progresso que obteve injustamente por décadas.
Outro argumento é que as chamadas ações afirmativas, como as cotas raciais em vestibulares e concursos, seriam privilégios para nordestinos e seus descendentes em sua maioria, pois a maior parte da população do Nordeste seria afrodescendente. Nesse ponto há sim algo a ser questionado, mas não dentro dessa ótica preconceituosa. Se as referidas cotas fossem sociais, ou seja, para pobres, independente da etnia, seriam mais coerentes com o ideal da justiça social. Esse mecanismo de reparação reivindicado pelos movimentos negros tem sido posto em prática sem que houvesse um debate mais amplo entre todos os segmentos da sociedade, o que o torna equivocado, tendo em vista que estamos sofrendo interferência, para não dizer ingerência, dos organismos internacionais, como a Fundação Ford, que tentam estabelecer no Brasil o racialismo, que é a divisão da sociedade em raças a serem tratadas desigualmente, o que não se justifica em nosso meio porque nunca tivemos sistemas segregacionistas, como os que existiram nos EUA e na África do Sul, no século XX. A nossa desigualdade, ainda que originada pelo escravismo que existiu no período colonial e Império, não produziu terreno fértil para o surgimento de um regime racista de fato, como nos países mencionados.
Retornando à questão das manifestações de repulsa aos nordestinos, elas trazem em seu bojo a fragilidade dos seus autores, para não dizer sentimento de inferioridade. Só quem se sente ameaçado é que ataca gratuitamente. Se são tão superiores, como se auto-intitulam, por que se sentem ameaçados pelos nordestinos?
Já diz o ditado com muita propriedade: a pior pobreza é a de espírito.