Pela Tap, o voo decola no final da tarde, com duração de oito horas, mas cinco de fuso horário chega a Lisboa pela manhã. Sempre jantamos com um vinho, depois apagam as luzes, e começamos um filme, e ficamos assim na penumbra do mundo. A noite o Atlântico é imenso e límpido, e o avião parece imóvel entre as estrelas. Durmo algumas horas, vencido pelo vinho e os clarões mudos do filme. Há dez mil pés tudo é profundo e escuro, cada tom do céu uma versão mais saturada de si mesmo.
Um escritor espanhol, que, entre outras, deixou esta frase curiosa. “A liberdade consiste em não usar relógio, lá no alto não adianta ter relógio, e é bom a experiência de esperar outra hora, em outro mundo. Tem coisas que a gente só entende, de fato, vivendo, atravessar o Atlântico é uma delas”.
Entendo que esta liberdade não traz alvoroço. E sim é como atar um par de asas na sua alma. Cinco horas da manhã e o dia começa em laivos rosados, na linha do horizonte de Lisboa, entramos no velho mundo sem memória e sem noção voando por este céu que amanhece belo e por estranho desdobramento homem de dois continente sobre dois planos diferentes.