Turbulência

Turbulência

Na primeira vez que fui a Santiago, vôo saído de São Paulo, houve uma turbulência, mas na saída o céu estava limpo, não havia nenhuma nuvem acima de nós.

O avião, entretanto, começou a dar saltos, e colocamos o cinto de segurança. Olho pela janela: é que estamos sobrevoando de perto um grande tumulto de montanhas, a cordilheira dos andes.

As montanhas são belas, cobertas de gelo. É fácil explicar que o vento nas montanhas faz corrente para baixo e para cima, como também o ar é mais frio debaixo da leve nuvem.

Há um passageiro assustado, o comissário diz que ” isso é natural”. Mas, o avião com o tranquilo conforto imóvel com que nos faz vencer milhas em segundos, havia nos tirado o sentimento do natural. Somos hóspedes da máquina. Os motores foram revistos, estão perfeitos, funcionam bem, e temos nossas passagens no bolso; tudo está em ordem.

Os solavancos nos lembram de que a natureza insiste em existir, e ainda nos precipita além dela, para os reinos azuis da Metafísica. Pode o avião vencer a montanha, e desprezar as passagens antigas que a humanidade sempre trilhou. Mas, sua vitória não pode ser saboreada de perto: mesmo debaixo, a montanha ainda fez sentir que existe, e à menor imprudência da máquina, o gigante vencido a sorverá em um instante, e a destruirá. Assim a humilde lagoa, assim a pequena nuvem: a tudo isso somos sensíveis dentro de nosso monstro de metal.

João Misael Tavares Lantyer

*Este artigo emite, exclusivamente, a opinião do autor

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