Tempo

Tempo

Acima de certa idade, os anos vão marcando nossos rostos, marcando a testa e o contorno da boca com rugas, tudo vai se torna difuso. As cores somem da paisagem. Só restam silhuetas cinzentas que somem por trás das lentes dos óculos, respingados de chuva. Nos ouvidos, parece que alguém aumentou o volume, amplificando a balbúrdia dolorosa da cidade. O passado começa a emergir com mais força da sombra do tempo, com todas as cores vivas ou escuras, com as delícias ocultas e nunca reveladas, e ao mesmo tempo com as amarguras e resistências. Será mesmo que estamos todos condenados a um final assim? É inegável que temos que abrir passagem aos que vêm atrás. Eles chegam com um frescor que já não temos, com um código de comunicação que não dominamos, com uma urgência que para nós não faz sentido. Tornamo-nos seletivos e serenos com o passar dos anos, mas ainda há estrada pela frente e temos que dividi-la com aqueles que têm menos bagagem e que correm mais ligeiros. Inevitavelmente, seremos ultrapassados por eles, mas não há razão para interrompermos nossa viagem e nos exilarmos em nossas memórias. Há uma forma de resistir ileso às diversas etapas da vida: não nos restringindo a nenhuma delas. Não nos catalogando como jovem ou como velho. Sendo atemporais. O atemporal não reproduz comportamento padrão. Não coleciona slogans nem certezas. Não vira as costas para o novo nem para o antigo. Não é assombrado por datas e idades: ele plana pela vida sem referências limitadoras, portanto, nunca é inadequado.

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