Vejo sempre nos discursos de Bolsonaro, o intérprete da linguagem de sinais, libras, Fabiano Guimarães da Rocha. Ele acompanha sempre o presidente, foi um pedido da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Quem é surdo, nunca escuta nada, nem uma risada, nem uma voz, nem o latido de um filhotinho ou um avião passando no céu.
Vivem num mundo que a compreensão da vida se altera. É viver numa penumbra por dentro e por fora, poucas luzes nas palavras e muita nos gestos. Eu não sei como é vive com um tipo de deficiência permanente.
Um dos principais nomes da música clássica, Ludwig van Beethoven, foi surdo. O genial compositor alemão começou a lidar com a doença na idade adulta, mais ou menos aos 25 anos, e conviveu com ela durante a melhor fase de sua produção artística. Entre altos e baixos nesse processo, ele conseguiu superar seu algoz e escreveu obras extremamente relevantes, como as Nove Sinfonias e Cinco Concertos para Piano.
Mas como isso foi possível tendo problemas de audição? Em relatos encontrados, descobriu-se que ele utilizou vários aparelhos auditivos “incomuns” para dar continuidade a sua carreira de músico, houve uma época em que ele não era capaz de ouvir uma nota sequer. Isso aconteceu, segundo relatos, no ano de 1815. Todos seus trabalhos posteriores a essa data, como a 9ª Sinfonia e a Missa em Ré Maior, foram compostos pelo músico apenas com o som que ouvia dentro de sua cabeça. Um gênio. Viveu na presença
de um dos sentidos mais importantes para compor e foi daí que surgiu tudo que de belo fez.
Talvez tenha realizado obras tão belas exatamente pelo que não era completo nele. No seu interior saíram várias sinfonias, que foram o desejo de se superar e sentia no vento o cheiro da criatividade.
Qualquer história pode ser lida, mas na leitura você não capta os sentidos e também não desfruta de sua notável entonação. Porque todos temos histórias. Ou, talvez, porque já somos, na condição de humanos, uma colagem de histórias.
As palavras não penetram na sua alma, permanecem ali suspensas, inúteis como prendedores num varal sem roupa, no entanto, encontrou o perfume da criatividade no silêncio. E deixou está herança magnífica para a humanidade, pedaços de uma alma tão sensível, uma alma feita de poesia e música.
*João é natural de Salvador, onde reside. Engenheiro civil e de segurança do trabalho, é perito da Justiça do Trabalho e Federal. Neste espaço, nos apresenta o mundo sob sua ótica. Acompanhe no site www.osollo.com.br.