A proteção ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego. Esse entendimento é da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que derrubou nesta terça-feira (5/12), por unanimidade, uma decisão que reconhecia o vínculo empregatício entre um motorista e o aplicativo Cabify. A corte também oficiou o Conselho Nacional de Justiça para que seja feito um levantamento “das reiteradas” decisões da Justiça do Trabalho que estão descumprindo precedentes do STF.
No mesmo julgamento, o colegiado determinou que outra reclamação que analisa vínculo entre um motorista e uma plataforma seja julgada pelo Plenário da corte (a Reclamação 64.018).
O caso concreto julgado na sessão desta terça trata de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) que reconheceu o vínculo. A defesa da Cabify (empresa que não atua mais no Brasil), no entanto, entrou com reclamação no Supremo afirmando que houve descumprimento de uma série de precedentes do tribunal, como os firmados na ADC 48, na ADPF 325 e no Recurso Extraordinário 958.252.
Nesses precedentes, o Supremo decidiu, entre outras coisas, pela possibilidade de terceirização de qualquer atividade e que a proteção ao trabalho não impõe que toda prestação remunerada configure relação de emprego.
No julgamento desta terça, os ministros afirmaram que a Justiça do Trabalho está constantemente desrespeitando as decisões do Supremo em matéria trabalhista, o que leva a corte a julgar cada vez mais reclamações sobre o tema. Tratou-se do primeiro julgamento da 1ª Turma sobre vínculo entre trabalhador e aplicativo.
“A questão de teoricamente, ideologicamente, academicamente, (a Justiça do Trabalho) não concordar, não justifica a insegurança jurídica que vem gerando diversas decisões. O Plenário já decidiu na ADC 48 que a CF não impõe uma única forma de estruturar a produção. O princípio da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdades para eleger suas estratégicas empresariais dentro do marco vigente”, disse em seu voto o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.
Segundo ele, motoristas que trabalham por meio de aplicativo têm liberdade para escolher o horário de trabalho e a quais empresas prestará serviços, o que os aproxima mais da figura de pequenos empreendedores do que de trabalhadores com vínculo empregatício.
“Aquele que faz parte da Cabify, da Uber, do Ifood, tem a liberdade de aceitar as corridas que quer, a liberdade de fazer seu horário e de ter outros vínculos. Ele atua em alguma coisa e é motorista. Não se prende pelo vínculo da exclusividade. É uma forma de tabalho nova. Revolucionou o setor em benefício do consumidor. O serviço melhorou, e a livre concorrência que a Constituição garante foi consagrada”, prosseguiu o magistrado.
O ministro Cristiano Zanin também afirmou que a Justiça do Trabalho desconsiderou decisões do Supremo ao reconhecer o vínculo, em especial os precedentes “que consagram a atividade econômica e de organização de atividades produtivas”.
“Esses precedentes consideram lícitas outras formas de organização da produção e da pactuação da força de trabalho. Não vejo uma relação de atividade típica da CLT, mas, sim, outra forma de contratação, que eventualmente pode merecer uma nova legislação que discipline a matéria, mas não na forma da CLT.”
O ministro Luiz Fux, por sua vez, disse que se a Justiça do Trabalho continuar desrespeitando decisões do Supremo, é preciso que a corte tome alguma providência. Ele também pediu que Alexandre oficie o Conselho Nacional de Justiça sobre o que qualificou como uma “disfuncionalidade”.
“Essa matéria está mais do que pacificada. Não é nada louvável que tenhamos tanta coisa para fazer e tenhamos esse número de reclamações. Entendo, até como uma questão de ordem, que oficie o Conselho Nacional de Justiça e que possamos devolver todas os processos de reclamação para que apliquem a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”
Cármen pondera
A ministra Cármen Lúcia seguiu Alexandre, mas fez ponderações. Segundo ela, o modelo de trabalho trará gravíssimos problemas sociais e previdenciários, “porque as pessoas que ficam nesse sistema de ‘uberização’ não têm direitos sociais garantidos na Constituição, por ausência de serem devidamente suportados por uma legislação que diga como será a seguridade social para eles”.
De acordo com ela, no entanto, o problema não se resolve pela mera aplicação reiterada da CLT a um modelo diferente.
“A relação é diferente. Não tenho dúvida que a manutenção dessas situações restabelecendo algo que não está na lei descumpre, sim, a legislação. O Brasil adotou outros modelos de trabalho. Então a chamada uberização e pejotização entronizou-se na vida das pessoas.”
RCL 60.347