Seis líderes de seita religiosa são presos em operação da Polícia Federal

Ação começou na manhã desta segunda-feira (17) em três estados.

Grupo é suspeito de manter fiéis em situação análoga à escravidão.

Seis líderes de uma seita religiosa foram presos durante uma operação realizada pela Polícia Federal (PF), na manhã desta segunda-feira (17), em Minas Gerais, Bahia e São Paulo. A seita conhecida como “Comunidade Evangélica Jesus, a verdade que marca”, é suspeita de manter fiéis em situação análoga à escravidão em propriedades rurais e empresas em Minas Gerais e Bahia, e ainda se apoderar de todos os bens das vítimas.

Segundo a PF, o pastor que é um dos principais líderes da organização foi preso em Pouso Alegre (MG), e outras cinco pessoas, que formariam a cúpula da seita religiosa, foram detidas em Minas Gerais e Bahia.

Além disso, foram bloqueados bens que pertencem aos líderes da seita, entre eles 39 imóveis rurais em Minas Gerais e Bahia, além das contas físicas e jurídicas dos envolvidos. Também foram apreendidos documentos e computadores.

A polícia pediu ainda o bloqueio pelo Detran de mais de 100 veículos que pertenciam à seita, incluindo carros de luxo.

Os suspeitos estão presos temporariamente por cinco dias, podendo ter a prisão prorrogada por mais cinco dias. Eles serão levados para presídios em Três Corações (MG), São Paulo e Bahia.

Os envolvidos podem responder pelos crimes de redução de pessoas à condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, estelionato, organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. A pena pode chegar a 30 anos de prisão.

Seita religiosa

De acordo com o delegado da Polícia Federal em Varginha (MG), João Carlos Girotto, os fiéis frequentavam uma igreja com sede na capital de São Paulo e, em seguida, eram convencidos a ir para o interior do estado, com uma mudança completa de vida.

“[Eles eram levados para o interior] sob a promessa de que viveriam em comunidades onde vigeria o princípio da igualdade absoluta. Todos os bens seriam de todos. Ao adentrarem na seita, as pessoas são convencidas a entregarem todos os seus bens, móveis e imóveis, e na sequência são transferidas para fazendas, onde trabalham sem remuneração. Lá eles também têm a liberdade cerceada e, ao irem para as cidades, são escoltadas por membros da seita”, afirma Girotto.

Ao entrarem para a seita, os fiéis assinavam um termo de doação de todos os seus bens. Nas fazendas da organização, trabalhavam executando atividades agrícolas e também em postos de combustíveis e restaurantes. Os funcionários assinavam recibos de pagamento pelos serviços, mas não recebiam os salários, que ficavam com a seita.

“[Os líderes conseguiam] um lucro exorbitante com o trabalho deles e doações”, diz o delegado da PF. A estimativa é que o patrimônio recebido em doações dos fiéis chegue a pouco mais de R$ 100 milhões. Parte do dinheiro teria sido convertido em grandes fazendas, casas e veículos de luxo.

Ainda segundo o delegado, a organização teve início em 2007 nas cidades de Ribeirão Preto (SP) e São José do Rio Preto (SP), e em seguida foi transferida em 2012 para o interior de Minas Gerais.

Após a operação da Polícia Federal nas fazendas da região, em 2013, a seita começou a se transferir para a Bahia. “Assim que a polícia começava a investigar a atuação deles em determinados lugares, eles se transferiam para outras regiões”, afirma o delegado da PF Thiago Severo de Rezende.

As propriedades doadas à instituição eram automaticamente vendidas e os valores transferidos para os líderes da seita. A organização ainda usava “laranjas”, que agiam como sócios das empresas, para quem os valores eram transferidos. Os contratos sociais dessas empresas eram alterados constantemente, o que dificultava o trabalho da polícia.

“Essas pessoas não tinham renda para justificar esses lucros e, por isso, nós fomos rastreando aos poucos esses sócios”, completa Girotto.

Perfil das vítimas

Segundo o delegado da Polícia Federal que preside a investigações, Thiago Severo de Rezende, as vítimas estavam em um estado de fragilidade emocional muito grande, geralmente com problemas familiares.

Entre os membros, há desde pessoas simples, sem bem nenhum, como também alguns que possuíam propriedades e dinheiro que eram passados à instituição.

Nas fazendas da seita onde viviam, os fiéis se dividiam em moradias comunitárias. A partir do momento em que entravam na seita, elas viviam em isolamento total, sem contato com as famílias, e acreditavam que estavam fazendo tudo pela comunidade.

“Grande parte das pessoas não entendem que são exploradas. Elas ainda acham que a polícia está perseguindo a comunidade”, diz Rezende.

Segundo o delegado Girotto, entre as vítimas, existem dois servidores públicos que doaram todos os seus bens e algumas pessoas que estavam sem contato com a família há mais de sete anos.

A polícia acredita que a seita tenha cerca de 6 mil fiéis que vivem nas comunidades. Em uma próxima etapa da operação, as propriedades devem ser devolvidas às pessoas e todos os direitos trabalhistas e salários devem ser pagos às vítimas.

Ainda segundo os delegados, a igreja em São Paulo continua em funcionamento e não é investigada pela polícia. A seita religiosa funcionaria de forma desvinculada à igreja.

Operação “De volta para Canaã”

Na operação “De volta para Canaã”, estão sendo cumpridos 129 mandados judiciais, entre eles seis de prisão temporária, seis de busca e apreensão e 47 de condução coercitiva, além de 70 mandados de sequestro de bens, envolvendo imóveis, veículos e dinheiro.

Na Bíblia, Canaã se refere à terra prometida por Deus ao seu povo, o que motivou o longo êxodo dos hebreus para a terra de Israel. Em 2013, a PF já havia deflagrado a “Operação Canaã” em cidades de Minas Gerais, e nesta etapa, a operação foi nomeada “De volta para Canaã”.

Entre os delegados da Polícia Federal que participaram da operação estão João Carlos Girotto e Thiago Severo Rezende, da Polícia Federal em Minas Gerais, e o chefe da Unidade de Repressão ao Tráfico de Pessoas, do Departamento da Polícia Federal em Brasília (DF), Alexander Taketomi.

As investigações apontaram que os dirigentes da seita religiosa estariam mantendo pessoas em regime de escravidão nas fazendas do Sul de Minas, onde desenvolviam suas atividades e rituais religiosos.

No Sul de Minas, os mandados expedidos pela 4ª Vara Federal em Belo Horizonte (MG) estão sendo cumpridos nas cidades de Pouso Alegre, Poços de Caldas, Andrelândia, Minduri, São Vicente de Minas e Lavras. Além de Minas Gerais, também há mandados sendo cumpridos em São Paulo e nas cidades baianas de Carrancas, Remanso, Marporá, Barra, Ibotiram e Cotegipe.

Operação “Canaã” em 2013

A seita começou a ser investigada em 2011, e os trabalhos resultaram na deflagração da “Operação Canaã” em 2013, quando a Polícia Federal, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho fizeram inspeções em propriedades rurais. As precárias condições de alojamento e trabalho foram denunciadas aos órgãos.

Na época, cerca de 800 integrantes da organização moravam em cinco fazendas em São Vicente de Minas e Minduri. Conforme as investigações da época, foi identificado um sofisticado esquema de exploração do trabalho humano e lavagem de dinheiro levado a cabo por dirigentes e líderes religiosos.

Durante a operação, dois membros da seita “Comunidade Evangélica Jesus, a verdade que marca” foram presos por apropriação indébita de cartões do programa “Bolsa Família” e de aposentadoria. Com eles, foram encontrados cartões do programa e da Previdência Social que, segundo o delegado que comandou a operação, João Carlos Girotto, pertenciam a integrantes da seita.

Para a polícia, apesar de se organizarem em associações comunitárias sem fins lucrativos, a seita funcionava como uma empresa comercial. Apesar da suspeita de que seguidores trabalhavam ilegalmente em fazendas e comércios da igreja, na época não foi comprovado o trabalho escravo.

Segundo a Polícia Federal, a seita teve origem em Ribeirão Preto (SP) e São José do Rio Preto (SP), mas em 2012, mudou-se para Minas Gerais. O grupo religioso atua nas cidades mineiras de Minduri, Andrelândia, Madre de Deus e São Vicente de Minas.

 

 

Samantha Silva/G1

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