Meu pai faleceu em primeiro de maio de 2018, quando, entre as notícias, existiam protestos contra a prisão de Lula. Era uma infinidade de gente caminhando pelas ruas, numa vida que seguia. Ele passou quase nove anos acamado, na linha divisória entre a vida e a morte. No Jardim da Saudade, ele dorme em paz, sem ninguém para perturbá-lo, sem nenhum som além do canto dos pássaros. Os momentos de sua bela vida estão guardados nos recônditos da minha mente.
Ele ingressou no TRT5 em 1966, atuando em Jequié, Ipiaú, Alagoinhas e Salvador. Promovido a desembargador, ocupou os cargos de corregedor e vice-presidente do Regional, se aposentando em 1999.
O peso da melancolia é grande, como se a tristeza estivesse realmente sobre os meus ombros. A lembrança da laranja que ele gostava, após o almoço dividida em quatro partes, não esqueço. Lembro também que só comprava camisa se ela tivesse bolso na frente, e a sua música preferida era “As Quatro Estações” de Vivaldi. Admirava seus elegantes ternos, dono de uma memória impressionante. Ele era generoso, tinha uma paternidade rígida, que pregava que elogios demais deixam a criança mal-acostumada. Eu amava sentar no seu escritório e ler seus livros. Ele tinha uma biblioteca com estantes que iam do chão ao teto, repletas de centenas de clássicos, romances, livros de poesia e teoria literária. Quando eu não entendia uma palavra, procurava-a num dicionário na prateleira. Sob sua tutela, comecei a ler as obras de Baudelaire, Flaubert, Camus, Sartre, entre outras.
Esta história, neste dia da passagem de sua vida para o mistério da morte, fica aqui registrada para sempre.