O Ministério da Saúde atualizou os procedimentos de justificação e autorização da interrupção da gravidez, nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A Portaria nº 2.282/2020 foi publicada na sexta-feira (28) no Diário Oficial da União e substitui a norma anterior (Portaria nº 1.508/2005).
De acordo com o documento, os procedimentos devem ser seguidos para garantir a licitude do aborto e a segurança jurídica aos profissionais de saúde envolvidos. No Brasil, o aborto é permitido por lei nos casos em que a gestação implica risco de vida para a mulher, quando a gestação é decorrente de estupro e no caso de anencefalia.
A nova norma prevê que, antes da aprovar a interrupção da gravidez, a equipe médica deverá informar a gestante acerca da possibilidade de visualizar o feto ou embrião por meio de ultrassonografia, caso assim deseje. Para isso ela deverá proferir expressamente sua concordância, de forma documentada.
A portaria anterior, de 2005, previa que esses procedimentos de justificação e autorização não eram necessários nos casos que envolvem riscos de morte da mulher. Essa previsão foi retirada na portaria publicada hoje.
Procedimentos
O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei possui quatro fases que deverão ser registradas no formato de termos confidenciais, arquivados anexos ao prontuário médico.
A primeira fase é o relato sobre as circunstâncias do crime de estupro, realizado pela própria gestante perante dois profissionais de saúde do serviço. O Termo de Relato Circunstanciado deverá conter local, dia e hora aproximada do fato, tipo e forma de violência, descrição dos agressores, se possível, e identificação de testemunhas, se houver.
Na segunda fase, serão feitos exames físicos e ginecológicos pelo médico responsável, que emitirá parecer técnico. A gestante também deverá receber atenção e avaliação especializada por parte da equipe de saúde multiprofissional, composta por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo. Três integrantes dessa equipe subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, que não poderá ter desconformidade com a conclusão do parecer técnico.
A terceira fase é a assinatura do Termo de Responsabilidade, que conterá a advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica e de aborto, previsto no Código Penal, caso não tenha sido vítima do crime de estupro.
A quarta fase se encerra com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que deverá conter a declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente da gestante de interromper a gravidez. Para isso, a mulher deve ser esclarecida, em linguagem acessível, sobre os desconfortos e riscos possíveis do aborto à sua saúde; os procedimentos que serão adotados para a realização da intervenção médica; a forma de acompanhamento e assistência, assim como os profissionais responsáveis; e a garantia do sigilo quanto aos dados confidenciais envolvidos, passíveis de serem compartilhados em caso de requisição judicial.
Todos os documentos que integram o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez deverão ser assinados pela gestante, ou, se for incapaz, também por seu representante legal. Eles serão elaborados em duas vias, sendo uma entregue à gestante.
A portaria determina que médicos, profissionais de saúde ou responsáveis por estabelecimento de saúde notifiquem à polícia os casos em que houver indícios ou confirmação de estupro, o que já é previsto em lei. Além disso, esses profissionais deverão preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro, a serem entregues imediatamente à autoridade policial, como fragmentos de embrião ou feto, para a realização de exames genéticos que poderão levar à identificação do autor do crime.
Repercussão
Em nota, a organização não governamental (ONG) Anis – Instituto de Bioética informou que a portaria cria barreiras que dificultam o acesso ao serviço de aborto legal e seguro “porque visa transformar médicos e enfermeiros em olhos e ouvidos do Estado dentro do sistema de saúde”. “Ao exigir notificação da autoridade policial pelo médico, mulheres podem não se sentir seguras para acessar os serviços legais de aborto, fazendo com que muitas recorram a práticas clandestinas de interrupção da gravidez. Práticas que podem ser fatais”, diz a nota.
O instituto argumenta que nunca foi necessária a presença de policiais para que a mulher tivesse acesso aos seus direitos e que agora “o cuidado e a privacidade dão lugar a perguntas de investigação policial que tiram completamente o direito ao sigilo médico”.
“Essa portaria revitimiza a pessoa abusada ao exigir que ela conte outra vez sobre o episódio de violência que viveu para profissionais que não necessariamente têm uma escuta qualificada para o acolhimento. A pressão do estado invade as salas de hospitais como forma de tortura, passa a obrigar meninas e mulheres a verem o ultrassom da gestação, sem qualquer justificativa para tal exigência, transformando um ambiente que deveria ser de acolhimento em um local violento”, diz a nota.
O movimento Católicas pelo Direito de Decidir também se manifestou repudiando a nova norma do Ministério da Saúde, o que, para ele “inviabiliza, na prática, o atendimento das mulheres e meninas vítimas de violência sexual nos serviços de saúde”. “A denúncia, o boletim de ocorrência policial, não pode ser imposição para o atendimento”, diz em nota.
Fonte: Agência Brasil